A transformação da Resistência Nacional de Moçambique (Renamo) de grupo
armado em partido político, a partir da assinatura do Acordo Geral de Paz,
de 1992, em Roma, é o objectivo da investigação do francês Michel Cahen, do
Centro de Estudos da África Negra do Instituto de Estudos Políticos de
Bordéus.
A guerra de agressão sul-africana contra o regime marxista da Frente de
Libertação de Moçambique (Frelimo), de Samora Machel, transformara-se numa
"terrível guerra civil", que de 1977 a 1992 provocara provavelmente um
milhão de mortos, num país de 15 milhões de habitantes.
O que Cahen tratou de investigar foi a transformação da Renamo de "exército
selvagem", tal como era entendida pelo regime de Maputo ou pelos seus
simpatizantes, em partido político digno de participar nos novos tempos e de
vir a ter uma forte bancada parlamentar.
Tentanto colocar de lado as suas ideias iniciais sobre o conflito, em que os
guerrilheiros que se opunham a Machel eram tidos como "bandidos", o
historiador de Bordéus procurou compreender as motivações que levaram largos
sectores da sociedade moçambicana a acolher uma estrutura contestatária.
A sua obra explica-nos como é que um grupo que fora criado pela Rodésia
racista de Ian Smith e depois apoiado pela África do Sul do apartheid se
soube transformar, com os anos, numa autêntica força alternativa da
sociedade moçambicana, com aspirações a um dia conseguir o poder pela via
eleitoral.
Cahen chegou à conclusão de que o grupo de Afonso Dhlakhama se conseguira
constituir em movimento conservador e populista susceptível de apelar aos
habitantes de uma parte significativa do país, que mais não fosse pelo
simples facto de a capital se encontrar muito longe do centro e deixar muita
gente com uma certa sensação de abandono.
Maputo fica no extremo sul de Moçambique e as populações de províncias como
Manica, Sofala e Zambézia consideram-se esquecidas pelo poder central,
tendendo assim a votar na Renamo como um partido que melhor poderá
representar os seus interesses. O investigador diz mesmo que é como se
Perpignan fosse a capital francesa ou Vila Real de Santo António a capital
portuguesa.
Todo o esforço de Cahen vai no sentido de demonstrar a necessidade de se
atender muito a sério às necessidades dos que não vivem nas grandes cidades
ou, pura e simplesmente, na extremidade meridional do país. "Pessoas
abandonadas à sua sorte há demasiado tempo", as dos meios rurais do Centro e
Norte de Moçambique. Jorge Heitor
Título: "Os Outros"
Autor: Michael Cahen
Tradução: Fátima Mendonça
Editor: P. Schlettwein Publishing (Basileia, Suíça)
Págs. 230
Jorge Heitor - PÚBLICO