À Atenção dos imigrantes
Homem raptado desde o dia 5, acorrentado e sem ser alimentado, enquanto os sequestradores exigiam resgate de 20 mil euros Em causa a recusa de "pagamento" mensal .
Correspondente em Moscovo
Um cidadão angolano, de 37 anos, residente em Lisboa, foi raptado e mantido em cativeiro durante quatro dias, numa quinta de Bucelas, em Loures. Na madrugada de terça-feira, dois dos raptores, de nacionalidade ucraniana e russa, foram detidos pela PJ. O terceiro foi apanhado pouco depois. A PJ suspeita que o caso envolva organizações mafiosas, uma vez que o que estava em causa seria o não pagamento de uma verba destinada à protecção do angolano no mercadode trabalho da construção civil. Trata-se (ver caixa) do procedimento normal das chamadas "mafias de Leste".
A PJ descreve o sequestro - que já durava desde o dia 5 - como dos mais violentos dos últimos anos. "Não temos indícios, nem os afastamos. Obviamente que estamos a tentar perceber se há elementos tentaculares com o crime organizado. Mas a investigação está no início", disse, ao JN, Agostinho Torres, o responsável pela Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB).
O fenómeno da extorsão está no topo das preocupações da DCCB, até porque se trata de crimes que normalmente não são denunciados. Quanto a estes grupos organizados, a extrema violência que normalmente usam é uma das suas características mais alarmantes para os investigadores.
A vítima foi encontrada atada de pés e mãos, com cadeados e correias, estava subnutrida e apresentava diversas marcas de agressão. Estava fechado desde o dia 5, mas terá estado em pelo menos outros dois locais, que desconhece, por ter estado de olhos vendados.
Para o libertarem, os raptores exigiam 20 mil euros. Uma quantia considerada incomportável para a família, que reside em Luanda, e que, mesmo assim, estava a tentar arranjar o dinheiro. O motivo era uma dívida que o raptor achava que lhe era devida como mensalidade, em troca de protecção - um procedimento habitual nas chamadas máfias de Leste, que obrigam trabalhadores em situação precária a pagar mensalmente uma quantia em dinheiro.
Por sua vez, o alerta para as autoridades só foi dado na sexta-feira passada e inicialmente os elementos da PJ desconheciam, até, a identidade da vítima.
A operação da Judiciária aconteceu também no limite. Os raptores, agora em prisão preventiva, admitiam matar o homem, no dia seguinte, se não recebessem o dinheiro. O que levou a PJ a "congelar" a greve às horas extra, iniciada há duas semanas. "Primeiro está o valor da vida e entendemos que era assim que devíamos agir. Os investigadores falaram connosco e apoiámos a decisão de trabalharem ininterruptamente", adiantou, ao JN, Carlos Anjos, da Associação Sindical da PJ.
Organizações criminosas poderosas na ex-URSS
"Quando chegas ao aeroporto de Lisboa, certamente dá contigo a mafia. Pagas 400 ou 500 euros e eles encontram-te trabalho". O relato é de Viktor Tkatchev, um ucraniano regressado à pátria, que entrou no nosso país com um visto turístico. Tkatchev cita ainda o caso de dois moldavos que pagaram 2500 euros e, à chegada a Lisboa, a mafia limpou-lhes os 500 euros que lhes restavam. A extorsão faz parte do fenómeno do crime organizado oriundo dos países da ex-URSS. O mundo do crime tende a globalizar-se e o papel da máfia russa parece não diminuir. Segundo observadores, as principais fontes de lucro daquelas organizações são, no entanto, o tráfico de droga, a prostituição, o comércio ilegal e lavagem de dinheiro.
Ana Rivera - Jornal de Notícias - 18.02.2005