Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Zeca Russo é um dos “folk heroes” da Lourenço Marques dos anos 70. Não consta que roubasse os ricos para dar aos pobres, mas havia muito coração partido na cidade cada vez que a sua foto, aparentada a Bruce Springstein e Johnny Clegg, aparecia pelos jornais.
Depois da independência, a Judiciária, a braços com uma terrível falta de agentes e a criminalidade típica de transições turbulentas, foi buscá-lo à cadeia para dar caça à bandidagem citadina. O polícia-ladrão, dizem as memórias da altura, teve êxito assinalável nos primeiros tempos de “senhor inspector”.
Mas rapidamente se perdeu em venalidades. O passado foi mais forte. Acabou por morrer violentamente num sórdido apartamento em Hilbrow, uma das “zonas vermelhas” da cidade de Johanesburgo.
O governo que nos anunciaram há uma semana parece seguir a “estratégia Zeca Russo”, num “remake” com 30 anos.
Tal como S. Tomé, custa a crer que muitos dos valorosos rapazes que carregavam as pastas das cabeças dos ministérios, para além das eminências recicladas, sejam agora o destemido exército do novo timoneiro da nação, apostado na mudança e em combates antigos: a inércia e a corrupção.
Ninguém está à espera de novos Hilbrows ou mortes na cantina com copo de vinho na mão, mas nem os mais optimistas acalentam suicídios regeneracionistas.
Tal como a inocência que deve ser presumida e porque não deve o carro caminhar à frente dos ruminantes, há que dar espaço à actuação do novo elenco.
Mas a prudência que se aconselha não chega para esconder a vozearia que vem dos ministérios e dos seus quadros, intrigados com as escolhas e com as primeiras tarefas recebidas. Sobram os políticos da oposição, distraídos que estão nas suas habituais pequenas querelas, nem repararam que tinham uma oportunidade dourada para fizerem figura em matérias que todo o cidadão comenta.
Criou-se uma expectativa de mudança corporizada no novo presidente.
As escolhas do executivo e as peripécias de bastidores, de algum modo, accionaram alguns mecanismos de alerta nos sectores mais atentos da realidade moçambicana.
Mas como diz a canção de um artista de passagem por Maputo, “a primavera não acaba por morrer uma andorinha”.
SAVANA - 11.02.2005