O ex-presidente moçambicano Joaquim Chissano, lamentou hoje em Braga, que os colonizadores "ainda não tenham apresentado desculpas oficiais pelas atrocidades cometidas em África".
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Na intervenção hoje proferida na Universidade do Minho, em Braga, durante a cerimónia em que recebeu um doutoramento "honoris causa" e versou o tema da globalização, Chissano destacou também o contributo dos países colonizados para a acumulação de capital dos colonizadores. "O impacte das relações económicas desvantajosas, fez-se inicialmente sentir com o tráfico de escravos, já praticado pelos árabes e mais tarde pelos europeus", afirmou o ex-chefe de estado moçambicano, acrescentando que "África funcionou durante três séculos consecutivos como uma imensa reserva de mão-de-obra para a economia mundial". Ao acto de doutoramento, título concedido a Joaquim Chissano pelo Senado da Universidade do Minho, sob proposta do departamento de Ciência Política e Relações Internacionais, assistiram, entre outras individualidades, o presidente português, Jorge Sampaio, o governador civil de Braga, José Araújo, o reitor da UM, António Guimarães Rodrigues, e o arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga. |
Na ocasião, o professor Luís Filipe Lobo Fernandes fez o elogio do homenageado, enquanto o também docente Pedro Bacelar Vasconcelos se encarregou de enaltecer o ex- chefe de Estado português Mário Soares, escolhido para apadrinhar o doutoramento de Chissano.
Na dissertação sobre globalização, o ex-presidente moçambicano acentuou que "na economia global existe claramente um centro, constituído pelos países do G8 e outros industrializados, e uma periferia que se identifica maioritariamente com a África subsaariana, Ásia do Sul e Central, parte da América Latina e Central e, muito provavelmente, alguns países da Europa de Leste".
"A exclusão social nos países da periferia foi e é muito mais violenta por várias razões", referiu Chissano, sustentando que a "ausência de mecanismos de protecção social e a desarticulação dos sistemas de produção lançaram milhares e milhares de cidadãos para o desemprego nas zonas rurais e urbanas".
Num outro passo do seu discurso, o ex-presidente moçambicano admitiu que alguns países da periferia souberam desenvolver políticas educativas e económicas que atenuaram a marginalização e considerou que Moçambique tem a possibilidade de criar uma economia virada para dentro, pois tem recursos para distribuir e pode reorientar uma parte da ajuda internacional para infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento rural.
A propósito, o ex-chefe de estado moçambicano lembrou a recente criação, em Moçambique, de uma Agenda 2025 que aborda a necessidade de um projecto comum, em que se aprofunda a coesão, a igualdade, a harmonia e o patriotismo e, a nível da economia, "uma política macroeconómica sã, um mercado aberto e competitivo".
À margem da cerimónia, Jorge Sampaio referiu aos jornalistas que o ex-presidente moçambicano sempre foi "amigo de Portugal", tendo contribuído "de forma sagaz e com grande visão" para o aprofundamento e consolidação das relações entre os dois países.
"Decorridos 30 anos da independência do país, podemos fazer sem hesitações um balanço positivo do longo caminho que, lado a lado e solidariamente, temos percorrido", disse, frisando que "os dois países souberam construir um novo capítulo nas suas relações, enquanto Estados soberanos".
Sampaio lembrou a amizade que o liga a Chissano desde a década de 60, nascida na Universidade de Lisboa, mas acentuou que "é a língua portuguesa a riqueza comum, como veículo de cooperação e comunicação entre os dois povos".
"A língua portuguesa, falada hoje por 200 milhões de pessoas é um forte factor de aproximação entre estados e povos, um bem precioso que deve ser valorizado e cuidado pelas autoridades e pelos cidadãos dos países que a usam", referiu.
Notícias Lusófonas - 18.02.2005