honoris causa Ex-presidente de Moçambique é novo doutor da Universidade do Minho Apesar do discurso crítico nas comemorações dos 31 anos da instituição, não houve reacções
Denisa Sousa
"Até hoje, ainda não se prestou uma verdadeira homenagem aos povos africanos, pela contribuição que deram para a acumulação do capital, e ainda não foram apresentadas desculpas oficiais pelas atrocidades cometidas". As palavras duras foram proferidas, ontem, por Joaquim Chissano, no discurso da cerimónia em que a Universidade do Minho lhe atribuiu o grau honoris causa em Ciências Políticas e Relações Internacionais.
Num discurso extenso sobre os efeitos da colonização e da globalização no estado actual do seu país, o ex-presidente da República de Moçambique explicou "O impacto de relações económicas desvantajosas, em África, fez-se inicialmente sentir com o tráfico de escravos, já praticado pelos árabes e, mais tarde, pelos europeus". O ex-chefe de Estado revelou, ainda, que "o impacto deste negócio ignóbil afectou mais de 50 milhões de pessoas".
O processo de globalização começou, no seu entender, precisamente "após a expansão portuguesa, no século XV". "No contexto colonial, a produção de saberes estava orientada para a reprodução lógica do sistema, admitindo a integração de alguns membros das sociedades africanas capazes de perpetuar o paradigma da dominação eram os homens de pele negra e mentes brancas", acrescentou, salvaguardando que "nem todos permaneceram na servilidade" e "iniciaram um processo de independência", muitos deles depois de se formarem em universidades europeias e norte-americanas.
Na cerimónia, na qual estiveram presentes o também ex- chefe de Estado português Mário Soares, padrinho apresentante do homenageado, e o actual presidente da República, Jorge Sampaio, não houve, no entanto, qualquer reacção a estas considerações.
Durante a sua intervenção, Jorge Sampaio optou por focar os pontos mais positivos da história dos dois países, exortando mesmo Joaquim Chissano a prosseguir a luta pelo seu povo.
O ex-presidente da República de Moçambique foi, ontem, a figura de destaque da comemoração dos 31 anos da Universidade do Minho. Joaquim Chissano foi até recordado, entre rasgados elogios proferidos por uma comitiva de ilustres, de uma breve e atribulada passagem por Braga, quando conseguiu fugir à PIDE, misturando-se na multidão do arraial de S. João bracarense.
Episódio passado em 1961, após o período de tempo em que Chissano estudou em Lisboa e foi obrigado a abandonar secretamente Portugal, "devido às profundas convicções respeitantes ao direito de autodeterminação dos povos e ao seu compromisso com o movimento independentista moçambicano", como referiu Lobo Fernandes, a quem coube o elogio honorífico.
A cerimónia serviu para realçar a luta de Joaquim Chissano pelos ideais de paz, liberdade e democracia, conseguindo, paralelamente, tal como frisou Jorge Sampaio, a manutenção das relações entre Moçambique e Portugal.
"Para nós, esta universidade tem um significado especial na medida em que a sua formação teve os alicerces no corpo de professores e dirigentes universitários que estiveram ligados à então Universidade de Lourenço Marques, hoje Universidade Eduardo Mondlane", disse o ex-presidente moçambicano, na altura do discurso em que as palavras eram ainda de circunstância.
Joaquim Chissano entregou o cargo de presidente de Moçambique há duas semanas, depois de ter optado por não se recandidatar.
Fugiu à PIDE misturando-se no arraial de S. João de Braga
Jornal de Notícias - 18.02.2004