O Tribunal Supremo de Angola condenou hoje o ex-governador provincial do Cuando Cubango, Jorge Biwango, a 12 anos de prisão pelo envolvimento na morte de oito alegados feiticeiros, ocorrida em meados de 2002 naquela província do leste do país.
O ex-governador provincial, que está preso desde 4 de Novembro de 2004, foi condenado pelo crime de homicídio qualificado, pelo qual estava a responder em tribunal desde o início de Janeiro.
"Ninguém está acima da lei", afirmou o juiz-conselheiro Simão Vítor, do Tribunal Supremo, que presidiu ao julgamento.
O acórdão do Tribunal Supremo considera ter sido provado que Jorge Biwango, membro do Comité Central do MPLA e primeiro secretário do maior partido angolano na província do Cuando Cubango, "ordenou que se aplicasse a morte" aos alegados feiticeiros.
Segundo o documento, lido por Simão Vítor, ficou ainda provado que, tendo em vista a execução da sua ordem, Jorge Biwango deu instruções para que a Defesa Civil "disponibilizasse homens, armas e munições".
O tribunal considerou que Jorge Biwango tem "forte crença na feitiçaria", o que o levou a "tratar deste assunto ao nível tradicional, em vez de recorrer às autoridades competentes".
O acórdão do Tribunal Supremo que condenou Jorge Biwango ilibou o outro réu deste processo, Estêvão Delo, que era o comandante provincial da Policia Nacional na altura dos acontecimentos.
O caso que está na origem deste processo ocorreu a 22 de Agosto de 2002, quando oito camponeses foram fuzilados e atirados ao rio Cuito nas imediações da povoação de Celua, a cerca de três quilómetros da sede municipal do Cuito Cuanavale, na província do Cuando Cubango, leste de Angola.
Os oito homens eram suspeitos da prática de feitiçaria, na sequência de rumores que corriam entre a população, segundo os quais pessoas já falecidas estariam a trabalhar nos seus campos de cultivo.
A situação estava a provocar o pânico entre a população local, que se preparava para abandonar a região, o que preocupava as autoridades tradicionais, entre as quais o rei Jeremias Chipango 'Bingo Bingo'.
Por essa razão, o rei decidiu transmitir os rumores ao então governador provincial, Jorge Biwango, que deu instruções para que fossem tomadas medidas para resolver a situação.
Nesse sentido, foi seleccionado um grupo de sobas (autoridades tradicionais) da região de Menongue, para integrarem uma comissão que seria coordenada pelo regedor provincial, Rodrigues Chimango.
A comissão, composta por cinco sobas, deslocou-se ao Cuito Cuanavale a 20 de Junho de 2002 e promoveu uma reunião em que participaram o administrador municipal, 13 regedores, 34 sobas, 24 seculos (elementos do conselho dos sobas) e 684 populares, durante a qual a população foi exortada a denunciar quem estivesse a praticar 'kamutukuleni'.
Esta expressão da língua nganguela - uma das línguas nacionais angolanas - designa uma situação em que pessoas já falecidas aparecem a trabalhar como escravos para as pessoas que as mataram.
Na sequência dessa reunião foi elaborada uma lista de oito pessoas acusadas de práticas de feitiçaria que acabaram por ser condenadas no julgamento realizado pela comissão, ficando detidas na cadeia do comando policial do Cuito Cuanavale.
A comissão regressou a Menongue e apresentou o seu relatório ao governador a 16 de Julho, propondo que os alegados feiticeiros fossem deportados para Bentiaba, um estabelecimento prisional na província do Namibe, o que foi rejeitado por Jorge Biwango.
O governador disse que se deveria proceder segundo os usos e costumes locais nesta situação, o que significaria amarrar e queimar os 'feiticeiros', lançando-os depois à água.
A 22 de Agosto, os detidos foram retirados da cadeia com o objectivo de os levar até à margem do rio Cuito, onde seriam executados.
Um deles ofereceu resistência e acabou por ser abatido a tiro logo à saída da cadeia, enquanto os restantes foram amarrados pelos cotovelos e transportados para o local previsto, onde foram colocados lado a lado, de costas para os executores, e fuzilados, tendo depois os seus corpos sido atirados à água.
O caso acabou por ser julgado no Tribunal Provincial do Cuando Cubango, que condenou 19 pessoas pelos crimes de homicídio qualificado e prisão ilegal, com penas entre 16 e 20 anos de prisão.
No entanto, nos termos da legislação angolana, este é um processo de recurso obrigatório, pelo que subiu para apreciação do Supremo Tribunal, que acabou por detectar a existência de "fortes indícios" contra Jorge Biwango, que nem sequer foi indiciado no julgamento da primeira instância.
Na sequência dos indícios detectados, o Supremo Tribunal instaurou um processo-crime contra o ex-governador provincial, que culminou com a formalização da acusação pelo Ministério Público, a realização do julgamento e a condenação de Jorge Biwango.
AGÊNCIA LUSA - 22.02.2005