Maria Fabiana
SABIÉ – A pobreza na região de Sabié, distrito de Moamba, atinge o íntimo das populações. As famílias andam seminuas e quase se alimentam de folhas silvestres porque a seca “impede” que as sementes germinem e não há quem se digne socorrer esta gente faminta.
Mesmo assim, logo pela manhã, as populações abandonam os seus “esconderijos” à procura de comida. Debaixo de intenso calor, de tronco nu, trabalham a terra enquanto os mais novos
cuidam das manadas de boi e de cabrito.
Mas também há ovelhas, muito procuradas por gente vinda das cidades mais próximas.
Ivete Mwamba conta que a procura (de ovelhas) tem sido enorme. “São pessoas que precisam destes animais para tratamento tradicional”, embora também o cabrito não fique atrás desta enorme procura.
Há rivalidade entre os camponeses que mais produzem e os que quase nada tiram das machambas, apesar de muito esforço que exercem. Estes entendem que os primeiros utilizam
magia africana para enfraquecer os colegas em proveito próprio. Não há quem consiga tirar da cabeça dos camponeses que esta situação é impraticável, dependendo da qualidade do solo
onde se lança a semente.
Por regra, as populações camponesas ateiam fogo sobre a floresta antes de iniciar o cultivo, sendo poucos os que não recorrem a este método. Também não há quem acredite muito no método de deixar o solo “descansar”, ou seja, não produzir pelo menos por uma temporada para que na seguinte a qualidade da produção seja melhor em termos quantitativos e sobretudo em qualidade.
SORUMA
Em Sábiè há jovens. Jovens diferentes dos que residem nas cidades e vilas.
Estes dedicam-se sobretudo à machamba e pecuária. São raros os jovens que conseguem dividir a actividade agro-pecuária com a de estudos.
Nos tempos de lazer, os jovens de Sábiè se dedicam à prática de futebol – sempre que aparece uma bola ou algo parecido – e ao consumo de drogas como soruma, bem como de bebidas alcoólicas.
Manuelito nega conhecer soruma, mas admite que “de quando em vez” consome bebidas alcoólicas de fabrico caseiro. Apesar dos 18 anos de idade, Manuelito não vai à escola e já é pai de uma menina, Marlete. Para o sustento da família, Manuelito pratica a agricultura e pecuária, sendo proprietário de cinco cabeças de cabrito. “Cheguei a ter 20 cabritos, mas foram acabando” por os ter vendido na cidade e o dinheiro aplicado na aquisição de produtos de primeira necessidade. “Ganhei muito dinheiro em Dezembro”, recorda Manuelito.
Um ancião, Albino Zandamela, defende que a soruma é importante para “dar força” durante o cultivo da machamba.
“Não é proibido fumar antes de ir trabalhar”, sublinha, acrescentando que o método não é de hoje, “os nossos pais sempre fizeram isso”.
Admite que haja quem utilize a soruma para fins que não têm nada a ver com o rendimento laboral.
“São os jovens das cidades que fazem isso. É lá onde deveria ser combatido o consumo de soruma não aquí, no campo”, defende Zandamela.
...Também em Memba
MEMBA – Desde a administração colonial portuguesa que a miséria absoluta assola os residentes de Memba, em Nampula. O cenário é ainda caracterizado por doenças “esquisitas” que por vezes aparecem na sequência do consumo de alimentos impróprios para o organismo
humano.
Embora o quadro tenha mudado “um bocadinho”, certo é que o drama continua.
Nem os esforços visando alterar o ‘modus vivendu’ dos membenses resultam satisfatórios. As inúmeras investigações laboratoriais não parecem trazer nada de novo para as populações “eternamente” carentes de Memba.
Quando há dias escalámos o distrito, as autoridades mostravam-se confiantes de que o número de pessoas que recorrem ao consume de folhas silvestres tende a diminuir drasticamente.
Contudo, uma vez no terreno, o cenário é lamentável. Famílias quase em estado de nudez, sem comida e sem nada fazer porque lhes faltam forças e garantias de que com o trabalho terão “alguma coisa para comer”.
Uma rapariga, Percina, diz que as amigas foram levadas pelos familiares mais próximos para Nampula, onde a vida “parece melhor”. Tímida tanto no olhar quanto no falar, Percina afirma que mesmo esfomeada lá vai conseguindo assistir as aulas na escola mais próxima, onde outras raparigas se esforçam em aprender.
É o lado feito de Memba. O oposto é caracterizado por um esforço incalculável levado a cabo por algumas ONG’s que trabalham na região que, lado a lado com as autoridades governamentais, procuram as melhores formas de minimizar o drama quotidiano que se
abate sobre algumas zonas de Memba.
Dizem-nos que a zona costeira é que mais preocupações apresenta para as autoridades do distrito e da província.
EXPRESSO(Maputo) – 25.02.2005