VIAJANDO PELO MUNDO FINANCEIRO LUSO E MOÇAMBICANO
ANTÓNIO BOTELHO DE MELO
Para os que mal agoiram, a boa notícia que posso trazer aos excelentíssimos leitores é que, ao contrário daqueles senhores da Malásia que se crê foram embora com malas cheias de dólares
e deixaram primeiro o Austral e a seguir o contribuinte moçambicano de tanga (a “tanga” cifrou-se exactamente em 107 milhões de dólares, isto quando o Dólar ainda valia 25 contos…) e o saudoso
Siba-Siba a segunda vítima mortal de não se sabe bem o quê, acredito com sinceridade que isso não acontecerá com as empresas detidas e geridas pelo accionista Milénio bêcêpê.
Não. Quando muito, o mais que se pode esperar é que fiquem, pelo menos até poderem um dia receber o retorno pelo seu investimento.
Isto é um pouco como comprar-se um daqueles apartamentos a cair de velho na Avenida Julius Nyerere por tuta e meia, meter-se uma cozinha nova, uma nova pintura, loiças de Nelspruit na casa de banho e ar-condicionado na sala e vender-se como novo pelo dobro. É perfeitamente legítimo.
Algo parecido sucede com uma outra empresa, uma tal Hidroeléctrica de Cahora Bassa, que ocasionalmente faz correr confusos pingos de tinta pela cidade. Alguém tem alguma dúvida que se aparecer uma proposta credível de compra que se venda?
Claro que não. Mas não convém aos camaradas da Eskom deixar de comprar a electricidade mais barata do planeta Terra à custa dos portugueses e por quanto mais tempo a coisa se arrastar, melhor para eles. Sorte que Veiga Anjos é um cavalheiro e uma pessoa discreta, e o seu patrão, o Estado português, por mais teso que esteja, pareça estar disposto a aturar isto até o inferno congelar.
Neste momento, as afinidades entre Portugal e Moçambique, essencialmente por factores históricos recentes, do conhecimento geral e por causa desta curiosa língua partilhada, permanecem uma aposta do Estado português (não dos seus cidadãos ou empresas). Pretensão, atalhe-se, que esbarra numa trepidante, senão irritada, e frígida, indiferença do congénere moçambicano, votado a gerir as suas dependências para tentar maximizar aquilo que supostamente mais valoriza desde que ocorreu a um jovem mulato de então colónia, Marcelino dos Santos, há sessenta anos, que o Estado português (ou melhor, o seu ditador Salazar, a quem o poeta Fernando Pessoa chamou esse “coitadinho do tiraninho que não bebe vinho” em 1935, ainda Marcelino jogava ao berlinde em Mafalala City) não sabia o que queria dizer a palavra “descolonizar”: a independência de uma nação moçambicana, liderada pela sua gente. Conceito revolucionário na altura, em que únicos pretos com direitos eram Hailé Selassié – durou pouco – e Léopold Sénghor.
Sinal disso, esforçam-se por trocar picardias por causa dos vistos de uns e dos outros e a mandar recadinhos para aqui e ali.
CORREIO DA MANHÃ(Maputo) – 16.02.2005