Ricardo Rangel: slides da busca do pão no tempo da boémia
Por Luís Nhachote
Já muito foi escrito, dito e cantado sobre Ricardo Rangel, decano incontornável do foto-jornalismo moçambicano.
Escrever mais o quê? Que chegou mais um livro seu ao mercado? Que era o mais esperado?
Não. Hoje, em poucas palavras, vamos recontar a história, narrada no dia do lançamento do livro — na primeira pessoa do singular, sobre as circunstâncias em que Rangel capturou os retratos históricos da famosa Rua Araújo, desde os anos longínquos anos 50 até 74 quando a revolução saída de fresco das matas, decidiu proibir o exercício da profissão mais antiga do mundo.
O acto do lançamento do concorrido livro coincidiu com o seu octagésimo primeiro aniversário natalício....
Fala Ricardo Rangel
Contou o bom do jovem Rangel — aos 81 ainda exibe frescura —, que nos idos anos cinquenta, à saída da redacção do jornal, por ser tardia, às vezes, nas madrugadas, o local onde desaguavam, para o café ou um copo era a Rua Araújo, agora imortalizada em slides que são autênticos documentos históricos.
A primeira vez, numa cena típica de ingenuidade, Rangel disparou o flash, em pleno cabaré:
“Toda a gente virou para mim, ameaçou-me arrancar a máquina”. A partir daquela, e das milhares de noites que se seguiram, o jovem Rangel nunca mais cometeu esse pecado. “Uma vez a Amina, a prostituta mais famosa da Rua Araújo, que era também conhecida por Brigitte Bardot, ou BB, disse--me que eu andava a brincar com a máquina e que não estava a tirar fotos nenhuma”. Depois da pausa, típica daquelas de quem fala com os olhos no passado, continuou: “Eu disse a ela que estava a tirar fotografias, e ela então disse: e aquela coisa que faz bum bum (referia-se ao flash)” (risos, muitos risos) “então eu fiz-lhe algumas fotografias, e, no dia seguinte, eu trouxe-lhe uma”. Nova pausa. “Ela estava no balcão com um tipo, que o deixou e foi chamar as amigas que me pediram retratos, elas fizeram posses e eu fotografei-as”. Assim foram as noites, as madrugas dos anos 50/60 até princípios de 70, na companhia do nosso poeta nacional José Craveirinha — que imortalizou estas noites em poemas célebres —, Rui Nogar “tinha combinado com o Craveirinha que ele é quem iria escrever sobre estas fotografias”.
A última foto, a fechar o livro foi tirada em 1974. “O presidente da primeira república tinha proibido o exercício da profissão mais velha do mundo.
“Então eu tinha decidido chamar esta foto a última prostituta, mas, depois de uma discussão com o Calane, ficou o último pão”.
O livro, com textos de José Craveirinha, Calane da Silva, Luís Bernardo Honwana, José Luís Cabaço e Nelson
Saúte, que é o proprietário da editora Marimbique, que edita o livro.
savana - 18.02.2005