Ao fim de cinco anos de investigação, a brigada financeira da polícia francesa entregou à Justiça o seu relatório de 35 páginas
Ana Navarro Pedro, Paris
O longo folhetim do caso "Angolagate" - uma venda de armas a Angola, em 1993-94, que a justiça francesa considera como ilegal - estaria próximo de um desenlace, segundo o diário francês "Le Figaro", que revelou o conteúdo do relatório de polícia transmitido ao juiz de instrução, Philippe Courroye.
Em 35 páginas, os especialistas da brigada financeira contam cinco anos de investigações sobre uma operação de 500 milhões de dólares que passa pela Rússia, Polónia, Bulgária e Mónaco, com destino a Luanda.
No centro do "Angolagate" encontram-se Pierre Falcone, nascido em França mas detentor de um passaporte angolano, entre outros, e Arcadi Gaidamak, russo refugiado hoje em Israel. Mas é Falcone que o Presidente de Angola, Eduardo dos Santos, tem feito tudo para libertar. Ao ponto de Luanda ter ameaçado recentemente Paris de não renovar os contratos de exploração de petróleo à companhia francesa Total, caso Falcone não fosse ilibado.
O relatório recorda as diversas etapas de uma operação que começou em 1993, organizada pela sociedade eslovaca ZTS OSOS, que Falcone e Gaidamak controlavam. A 23 de Agosto, duas cartas são endereçadas aos escritórios de Falcone e de Gaidamak, em Paris, designando-os como "os únicos representantes autorizados a agirem em nome ZTS OSOS numa transacção entre a Rússia e Angola".
Tráfico de armas
O primeiro contrato de venda de armas data de 7 de Novembro, assinado entre Falcone e a empresa angolana Ematec, num valor "estimado em 463 milhões de dólares", para fornecimento de armas, munições de infantaria, tanques, helicópteros e minas antipessoal. "Outros contratos do mesmo tipo serão assinados nos anos seguintes", assinala o diário francês.
As armas são provenientes da Rússia - então ainda URSS. "Gaidamak aparece a receber os fundos do seu cliente angolano e a pagar o fornecedor moscovita", dizem os polícias. As armas são transportadas por dez aviões Antonov 124, e a factura do transporte é endereçada a Falcone. Um ano depois, Gaidamak ocupa-se de nova venda de armas, provenientes da Polónia e da Bulgária, e paga o transporte com fundos da sua conta no Mónaco. Em 1994, o banco francês Paribas dá um crédito de 30 milhões de dólares à ZTS OSOS.
O caso rebentou em França em 2000, e tem sido tratado como tráfico de armas. Para os advogados de Falcone e Gaidamak, a justiça francesa não é competente, porque as armas não transitaram por Paris. O relatório da polícia frisa: "A verdadeira sede da ZTS OSSS estava em Paris e correspondia aos locais da Brenco", a empresa francesa de Falcone. Em contrapartida, os polícias minimizam a implicação de Jean-Christophe Mitterrand, filho do defunto Presidente Mitterrand, que cumpriu três meses de prisão preventiva por suspeita de tráfico de influência.
PÚBLICO - 27.02.2005