{Infância}
Samora Machel nasceu em 1933 e foi criado na vila de Chilembene. Era um membro do grupo étnico Shangana. Seus pais eram camponeses pobres. Machel soube o que era passar fome quando seus pais foram forçados a plantar o algodão pelos portugueses. Nos anos 50 seus pais tiveram as suas terras arrancadas para serem dadas aos portugueses emigrantes. A fim de evitar a fome seus pais foram trabalhar nas minas sul africanas sob circunstâncias perigosas. Logo após, seu irmão morreu num acidente na mina.
Samora entrou numa escola católica mas quando não estava na sala de aulas ele tinha que trabalhar no campo. Ele estudou para se transformar num enfermeiro, uma das poucas profissões permitidas aos pretos moçambicanos naquele tempo. Iniciou suas primeiras actividades políticas num hospital onde protestou o facto de os enfermeiros pretos usufruírem salários inferiores aos dos brancos que faziam o mesmo trabalho. Disse mais tarde para um repórter o quanto os médicos moçambicanos eram maltratados dizendo, "o cão do homem rico recebe mais vacinas, medicamentos e cuidados médicos do que os trabalhadores que constroem a riqueza do homem rico".
http://www.tropical.co.mz/especial/samora/
No entanto, na seu livro "SAMORA - Uma biografia", Iain Christie, escreve:
"...Como este assunto parece ter tido uma influência significativa no posterior desenvolvimento das suas ideias políticas, vale a pena citar, com algum detalhe, as reminiscências de Samora numa conversa, em 1974, com o académico canadiano John Saul. Ele começou por descrever a região onde nasceu como rica e fértil, onde as pessoas eram camponesas mas não eram pobres, e continuou:
Alguns eram mesmo ricos. Algumas pessoas, consideradas muito importantes, possuíam tractores e charruas, criavam gado e produziam vários cereais [...]
Nós queríamos compreender os fenómenos do comércio, da compra e da venda, e o meu pai costumava explicar-nos essas coisas com histórias sobre a dominação. Não eram as pessoas que produziam as coisas que fixavam os preços. Não eram eles que escolhiam a quem queriam vender os produtos.
Todos os africanos na nossa região estavam enquadrados pela administração colonial. Era a administração colonial que recrutava os compradores. Todos os cereais produzidos por africanos eram comprados por comerciantes recrutados pêlos administradores. Os comerciantes queriam comprar mas não queriam ir directamente aos produtores. Queriam fazer os contactos através da administração.
A administração fixava os preços naquilo a que chamava a feira — a Feira dos Cereais. Por outras palavras, a Feira dos Cereais era uma forma de explorar o trabalho do camponês africano [...] A verdadeira essência das coisas está nesta produção e troca de produtos agrícolas, porque éramos obrigados a vender os nossos produtos aos comerciantes a preços fixados pela administração.
Por exemplo, nós produzíamos e vendíamos um quilo de feijão a três escudos e cinquenta centavos enquanto os agricultores europeus produziam e vendiam a cinco escudos o quilo. E no dia a seguir a termos vendido as nossas colheitas tínhamos que comprar esses mesmos produtos a seis escudos — o dobro do preço que nós tínhamos recebido.
Se, ocasionalmente, por um acordo especial, conseguíamos vender directamente a um fornecedor ou comerciante (por exemplo a quatro escudos o quilo) éramos obrigados a receber o pagamento metade em dinheiro e a outra metade em produtos [...].
Ainda por cima não podíamos ser comerciantes. Os «indígenas» não podiam praticar nenhuma forma de comércio. Apenas podiam produzir para os comerciantes europeus.
As vacas dos africanos não eram registadas e não podiam ter a marca dos seus donos. Isto permitia aos agricultores europeus roubar gado dos africanos. Por vezes gado pertencente aos «indígenas» misturava-se com o gado pertencente aos europeus e, quando isso acontecia, os europeus marcavam-no imediatamente — o mesmo acontecia com carneiros e cabras — e assim aqueles animais passavam automaticamente a pertencer a esses europeus.
Depois havia a imposição de determinadas culturas por parte da administração — o sistema do algodão. A cultura do algodão é de tal forma que impede qualquer outra actividade. É um produto que requer muita atenção e, consequentemente, resultou em fome na nossa região. Muitas pessoas morreram de fome por causa do algodão.
Nós vivemos isto tudo e os nossos pais falavam-nos disto para nos fazerem entender que esta era a natureza da dominação externa. E isto significava falarem-nos sobre a penetração portuguesa e a resistência à sua brutalidade e crueldade.
Nesta região os homens são igualmente forçados a ir para a África do Sul. São vendidos às minas sul-africanas. E, enquanto um homem está na África do Sul, a esposa é levada para trabalhar durante seis meses na construção de estradas, nas construções dos comerciantes e nos campos dos agricultores europeus.
SAUL — A venda de trabalhadores para a África do Sul deve ter afectado a sua própria família.
SAMORA — Perdi muitos parentes na África do Sul. Alguns voltavam com tuberculose, sem membros, mutilados, cegos, completamente inválidos e sem indemnização. Outros morreram na África do Sul. Por exemplo o meu irmão mais velho. Quando ele morreu nas minas da África do Sul o meu pai recebeu uma nota da administração a dizer que devia lá ir para receber uma indemnização de 40 libras. Mas disseram que não podiam entregar a quantia toda de uma vez. Só podia levar 10 libras e o resto ficaria no cofre da administração onde ele deveria ir pedir pequenas quantias quando precisasse.
SAUL — Lembro-me de outra história de exploração, nesta zona, que aconteceu em 1950, a exploração da terra.
SAMORA — Esse foi o maior drama. As charruas e tractores daqueles que eram agricultores hoje estão sem utilidade. Todos aqueles que tinham boas casas, de alvenaria, foram expulsos para dar lugar aos colonos e obrigados a viver numa única divisão. A nossa terra foi expropriada e entregue aos colonos. Hoje não há nenhum agricultor africano na minha região. Toda a terra foi entregue a colonos sem nenhuma compensação [...] Os africanos foram colocados em terras áridas que não produzem nada, enquanto as regiões entregues aos colonos são irrigadas pelo rio Limpopo (').
Em 1942, quando Samora tinha nove anos, surgiu a possibilidade de ele ir para a escola. O pai decidiu que se devia aproveitar essa oportunidade de forma que disse a Samora para pousar a enxada e preparar-se para os estudos.
Foi um período difícil para um jovem de uma sólida família protestante começar a ir à escola porque isto passava-se logo a seguir a os portugueses entregarem aquilo a que chamavam «educação indígena» à Igreja Católica. A família Machel era Metodista Livre, sem grande vontade de enviar o filho para uma escola católica, mas era isso ou nada...."
Assim se vê que Samora Machel descreve ser de uma " região ... rica e fértil, onde as pessoas eram camponesas mas não eram pobres..."
No entanto, no texto primeiramente disponibilizado, lê-se que " Seus pais eram camponeses pobres. Machel soube o que era passar fome quando seus pais foram forçados a plantar o algodão pelos portugueses. Nos anos 50 seus pais tiveram as suas terras arrancadas para serem dadas aos portugueses emigrantes. A fim de evitar a fome seus pais foram trabalhar nas minas sul africanas sob circunstâncias perigosas.
Em que ficamos?
Fernando Gil