Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Apesar do ar crispado, o Dr. Mário Machungo tem razão para ser um homem feliz, segundo notícias avulsas na imprensa local.
O banco de que é administrador teve resultados positivos, o “papa” do accionista de referência mandou-lhe carta a desmentir rumores mal intencionados de venda a um banco sul-africano. A cereja no topo do bolo seria mesmo que o nome do banco deixasse de figurar nos relatórios do FMI.
Sobre os resultados, dizem-me contabilistas experientes, que há sempre maneiras de se dourar a pílula. Sem que rigorosamente seja o caso do banco em questão, pode uma empresa apresentar uma notável carteira de crédito ou devedores, mas resta sempre saber se essa carteira “está viva” ou pura e simplesmente deveria ter sido há muito canibalizada em provisões diversas, por contrapartida com “lucros e perdas”.
Sobre os relatórios, a minha preocupação deriva sobretudo do que representam os resultados positivos: se da intermediação financeira a que corresponde o negócio habitual da banca, ou de outros serviços que, em qualquer parte do mundo são uma cortesia ao cliente mas em Moçambique, aparentemente são negócio chorudo para o banco.
Falo de trivialidades. Despesas de comunicação para uma transferência sobre o exterior: 25 dólares. Vinte e cinco dólares são cinquenta por cento de um contrato mensal integrado de correio electrónico(e-mail) e internet. Que manda mensagens de Kongolote para a Polana, mas também para Beijing, Singapura e Nova Iorque. Há dias requisitei um serviço bancário pela internet (on-line banking). Depois de esperar pacientemente quinze dias, um funcionário diligente e simpático explicou-me todos os procedimentos. E também a factura: 400 dólares, dos quais 100 pela utilização mensal do serviço. Tenho acesso a três bancos no exterior via internet e nunca paguei um cêntimo. Mais, os bancos inundavam-me com correio promocional dos serviços para eu aceder às contas por via electrónica. A lógica é simples: os clientes na net evitam acesso aos balcões, logo menos empregados para atendimento, menos custos. É praticamente a mesma lógica das caixas de levantamento, vulgo ATM. Claro tudo tem custos e compete à empresa, neste caso os bancos, fazerem as contas no fim do dia.
Há semanas, num encontro de executivos de media, o director da “e-tv”, um canal televisivo de sucesso na RSA criado por sindicalistas, explicava uma das suas técnicas agressivas de “marketing”. Recrutou em Durban, uma série de jovens em idade escolar que apontavam num bloco os nomes dos visitantes dos “stands” automóveis de uma conhecida marca japonesa. Depois de comprovar que a maioria dos nomes eram “kanji”, “naidoo”, “sacarlal”, o representante da marca assinou um contrato publicitário com a “rádio jacaranda”, uma antena escutada maioritariamente pela comunidade indiana do Kwazulu-Natal. Se o Dr. Machungo e o Dr. Magid, uma destas manhãs antes de se dirigirem aos seus gabinetes, passarem pelos balcões, num plágio claro ao cirurgião Ivo Garrido, poderão constatar in-loco o que entope o banco. Entre outros, uma legião de contínuos e cobradores de empresas que, de credencial em punho (cujo preenchimento ocupou o tempo de outros funcionários), procuram saber saldos, pedir extractos de conta, clarificação de operações, uma cópia do boletim de câmbios, etc. Este mesmo serviço que mobiliza milhares de pessoas e a que o ministério do Trabalho chama “sector formal de emprego” (como aqueles outros que distribuem e carimbam “taxas de embarque” nos aeroportos), pode neste princípio de século XXI ser consultado tão simplesmente num écran de computador com um modem e uma linha telefónica, na sua versão mais simples. Não me parece que seja necessário mobilizar o ministro das Tecnologias (ou dos computadores) para explicar isto a bancos e serviços.
A não ser que na operação custo-benefício se chegue à conclusão que os salários continuam baixos, a classe não reivindica e a ausência de concorrência séria permite preços de serviços cartelizados, logo lucros chorudos.
Falei de trivialidades, daquelas que dão aquele irritante nervoso miudinho. Para não começar a atacar as diferenças de juros entre dinheiro guardado e dinheiro emprestado, o valor das taxas, os “spreads”, o negócio da compra, venda e guarda de moeda externa.
Aproveitando em adaptação as palavras de Felício Zacarias, todos gostamos de fazer dinheiro.
Mas há muitas maneiras de fazer dinheiro. E apresentar resultados.
SAVANA - 18.03.2005