EDITORIAL
A recém terminada quarta sessão do Comité Central da FRELIMO elegeu Armando Guebuza para o cargo de presidente daquela formação política no poder há quase trinta anos.
Publicamente, só se sabe que a decisão baseiou-se na tradição de que na FRELIMO a figura do Chefe de Estado não se dissocia da do líder do partido.
Tal como aconteceu com a decisão de Joaquim Chissano de voluntariamente abdicar do seu direito de candidatar-se a um terceiro mandato como Presidente da República, é salutar que a transferência do poder dentro do partido seja feita de forma pacífica, por iniciativa do incumbente.
Ao tomar a decisão de entregar o poder, Chissano deve ter calculado a infuncionalidade que representaria o facto de ele continuar a presidir ao processo de tomada de decisões políticas dentro do partido, mas cuja implementação ao nível do Governo estaria fora do seu controlo. Chissano terá também procurado acautelar-se e precaver-se de uma situação em que ele poderia ser visto como estando a usar os seus poderes como presidente do partido para inviabilizar a acção da máquina governativa de Guebuza.
Seja qual for o caso, Chissano terá conseguido neutralizar aqueles que estavam preparados a culpá-lo por qualquer insucesso que eventualmente venha a surgir durante os próximos cinco anos da governação de Guebuza.
Mas será que tudo o que aconteceu no laboratório ideológico da FRELIMO na Matola foi assim tão pacífico? A incaracterística velocidade com que a operação sucessão se desenrolou dá pouco lugar a uma resposta afirmativa, parecendo tratar-se de um caso em que Chissano se viu obrigado a saltar antes de ser empurrado.
Para qualquer observador político atento aos últimos desenvolvimentos dentro da FRELIMO não passa despercebido o facto de que o mudar de guarda provocado pela não re-candidatura de Chissano à Presidência da República criou dois campos que se posicionaram para dirigir a orquestra a seu favor.
Resta saber qual dos campos antecipou-se ao outro para provocar esta aparentemente precipitada retirada de Chissano. Sabe-se que havia vozes discordantes no imponente edifício da Rua Pereira do Lago que consideravam anacrónico que Chissano continuasse na presidência do partido temendo, como diziam, que tal iria dificultar a acção de Guebuza que, como secretário geral, deveria sujeitar-se ao partido para a tomada de decisões para o seu Governo.
Havia em parte alguma razão nisso, tratando-se da primeira vez na história de Moçambique que um Presidente da República não tinha os mesmos poderes partidários que sempre tiveram os seus predecessores. Será que foram essas vozes que à última hora urgiram Chissano a introduzir o ponto da sua sucessão na agenda da reunião, proposta que, ao que tudo indica, foi acolhida de forma expontânea e imediata, para o alívio de muitos que de outro modo se teriam sentido embaraçados em abordar a questão com toda a sua frontalidade. Como moeda de troca, Chissano será, daqui a dois anos, eleito presidente honorário do partido. Seja o que for o que tal estatuto significa.
Para o povo é tranquilizador que (pelo menos publicamente) a transição se tenha feito sem que os protagonistas empunhassem espadas e escudos na mão. E caberá ao futuro demonstrar se tudo não se tratou de uma luta interna de camaradas que quando saem cá para fora é só para dizer que saem cada vez mais fortalecidos.
SAVANA - 11.03.2005