Transição em parto induzido
Como nos contos de fadas, tudo acabou em bem, mas a renúncia de Joaquim Chissano ao cargo de presidente do partido Frelimo foi mesmo um parto induzido.
Segundo os números oficiais, foram 172 os membros do Comité Central (CC) que, ao princípio da tarde de quinta-feira (3 de Março), estavam a postos para o início da reunião estatutária do partido que rege os destinos do País desde a Independência, em 1975.
Às quinze, a reunião não começou, nem às 16, nem às 17. Três horas depois, reunia-se finalmente o CC com um ponto novo em agenda: a renúncia de Joaquim Chissano à presidência. E como o assunto não estava na ordem do dia, as horas de espera dos membros do CC foram consumidas numa reunião da Comissão Política onde Joaquim Chissano manifestou e fundamentou a sua intenção em se retirar da presidência.
A criação do climax
Nas semanas que antecederam a reunião do Comité Central, os diversos porta-vozes do partido dos camaradas fizeram questão em observar que a agenda do encontro comportava apenas a discussão de vários pontos “relativos à vida do partido”.
O “assunto quente” não era a renúncia de Chissano, mas a potencial renúncia de Armando Guebuza ao cargo de secretário-geral do partido devido à alegadas impossibilidades de acumulação com as funções de Estado, nomeadamente a Presidência da República e a chefia do Executivo.
A este ponto, os diversos porta-vozes responderam seraficamente “não constar da agenda”, mas, em muitos sectores próximos de Guebuza, havia alguma irritação com a colocação da questão. O assunto passou para os jornais e até editoriais dominicais. Sintomaticamente, a edição do matutino oficioso inseria no dia do início da reunião do CC, duas “cartas” fazendo a defesa vigorosa da acumulação de funções.
Dentro do partido, consideram algumas correntes que a questão “nunca chegou realmente a colocar-se”, aventando-se a possibilidade de se tratar de “um balão de ensaio” dos que estavam a tentar travar o inevitável que era o movimento de fundo propondo o afastamento de Chissano da presidência do partido.
A reunião de “última hora” da Comissão Política na tarde de quinta-feira foi antecedida de um “encontro de camaradas” com Chissano, onde lhe foi explicada a relevância do seu afastamento voluntário da direcção do partido para, entre outras questões, não se criarem fricções desnecessárias numa direcção que na prática seria bicéfala.
A edição dominical do jornal apoiante de Guebuza escrevia no último editorial: “A manter-se a situação de Guebuza como secretário- -geral apenas, criar-se-iam condições de fricção, perturbadoras da unidade política” e, mais adiante, “é princípio sábio de boa governação criar condições para que não surjam por virtude das circunstâncias, focos de instabilidade e conflitos a nível das pessoas e das instituições.”
Antecedentes próximos
Sectores próximos de Guebuza digeriram mal o discurso de fim do ano de Chissano elencando as realizações do seu mandato, bem como as visitas de última hora antes da tomada de posse. Já depois da entrada em funções do novo Governo, não passaram despercebidas as declarações de Chissano a uma rádio portuguesa escutada em Maputo enfatizando que se mantinha como presidente da Frelimo, uma declaração interpretada como um vincar de protagonismo e que caiu mal nesses sectores.
Mas o mal-estar não vinha apenas destes sectores. Muitos dos ministros cessantes e com posições de relevo no partido sentiam-se agastados com as referências ao “espírito do deixa andar” e algumas iniciativas “mais espectaculares” de alguns novos titulares, o que, na sua interpretação, transmitia para a opinião pública a ideia de que o anterior executivo era o culpado de tudo o que estava mal no país.
De algum modo, há quem pense que terão sido estes sectores incomodados que terão lançado o balão de ensaio da acumulação de funções do secretário-geral.
A sessão do CC começou tensa, segundo quem lá esteve, mas o rapidamente passou a anti-climax com a “revelação do tabu”: Chissano anunciava no discurso de abertura a renúncia ao cargo de presidente.
O resto foi “business as usual”, embora há quem queira que o Congresso se reúna antes de 2007, para adaptar as estruturas a todos os níveis, à “dinâmica de vitória introduzida pelo camarada Guebuza”.
Para fora da sala ficaram as resoluções, incluindo uma saudação ao governo anterior e um discurso de improviso na festa de segunda-feira à noite onde Guebuza acrescentou umas tantas alíneas ao que significa o deixa andar.
Tempos difíceis, esperam os que procuram acertar o passo no seio dos camaradas. FL
SAVANA - 11.03.2005