Por Luís Loforte
Já muito se falou sobre o anúncio racista feito publicar no jornal Notícias. Todos condenamos: povo e governantes. E da mesma maneira. Quer dizer, as duas entidades usaram os mesmos instrumentos, pegando na caneta para dizer, na imprensa, que não concordavam com um anúncio que discrimina os cidadãos em função da raça e da cor da sua pele. Eu até compreendo que o Governo (Ministério do Trabalho) tenha optado pela persuasão no lugar da dissuasão, pela chamada de atenção no lugar da punição, pela contenção ao invés da repressão, não fosse, no dealbar de uma legislatura, dar sinais imediatos de intolerância e com eles acordar-se os fantasmas do passado. Dirão alguns: debalde, porque os tempos são outros...
Concordo, mas é preciso que se estabeleçam limites, porque também nós evoluímos para novos estágios de desenvolvimento da consciência e da cidadania. É certo que a contenção é uma prática que capitaliza dividendos políticos significativos.
Mas tenhamos sempre presente que ela trás consigo o perigo de não deixar bem claras as fronteiras da tolerância, pois a contenção pode funcionar como uma espécie de “jurisprudência firmada” para futuros casos. E podem não tardar assim tanto, porque o fenómeno do racismo parece crescer a olhos vistos e com tendência a enraizar-se na nossa sociedade.
Basta olharmos à nossa volta. Não vejo, por exemplo, mancebos brancos ou indianos (raça e não gentílico) no exército moçambicano, mas vejo que as autoridades ameaçam processar os refractários e alguns deles até já respondem em juízo. Se o exército se destina a desenvolver o patriotismo e defender o que temos e usufruímos, porque é que serão apenas uns a defenderem o que a todos serve sem discriminação?
Mas falemos dum outro assunto?
Há aproximadamente duas semanas e no mesmo jornal Notícias saiu um anúncio aparentemente inofensivo mas quanto a mim assente nos mesmos pilares do da acesa e justa polémica.
O anúncio, que creio ser do próprio matutino, pede candidaturas para o trabalho de ardina, preferencialmente do “sexo feminino”. Porquê, se somos iguais perante a Lei?
Dirão alguns que se está perante uma discriminação positiva que visa promover a mulher moçambicana.
Pode ser, e se assim é, é preciso porém que se saiba que uma discriminação positiva tem regras, assenta na proporcionalidade e nunca na “preferência”. Preferir é discriminar e discriminar é agir em contravenção da Lei. A discriminação não é só quando estamos perante a preferência do branco em detrimento do negro ou
inversamente. Para que tenhamos a consciência tranquila, temos que discuti-la em toda a sua dimensão. Dá para discutir isto?
PS: A-propósito da integração de brancos, indianos e quejandos no exército moçambicano, devo recordar um facto inédito e muito honroso de um branco moçambicano que infelizmente já desapareceu fisicamente. Era economista filho de um nacionalista que ocupou e ocupa ainda grandes cargos da nação moçambicana. Integrou voluntariamente o exército moçambicano no tempo da guerra. Indagámo-lo na universidade para que nos dissesse a razão de ter feito o que outros brancos não fazem.
Respondeu-nos: Eu quero acordar e olhar-me ao espelho, não ter vergonha de mim mesmo e usufruir com orgulho e dignidade os meus privilégios. Estava a dizer-nos que foi à tropa à busca de legitimidade o que muita gente hoje só usa o verbo e se esquece de buscar a legitimidade para tantos privilégios que está a usufruir e para os quais se coloca sempre na primeira linha. Chamávamo-lo por RUCA.
CORREIO DA MANHÃ(Maputo) – 21.03.2005