Conhecido em televisão através do polémico Donos da Bola, na SIC, David Borges sempre se considerou um homem da rádio.
ACTUALMENTE É O DIRECTOR DA RDP - ÁFRICA. SEGURAMENTE, NADA LHE PODERIA DAR MAIS PRAZER.
TV 7 Dias - O que é feito do David Borges, que estávamos habituados a ver moderar programas de desporto em televisão?
David Borges - A rádio foi sempre a minha actividade, a televisão foi um acidente conjuntural. Confirmei com a minha experiência que o audiovisual é um meio muito frio e nunca foi o meu preferido. A minha actividade foi sempre na rádio e aqui nunca deixei de estar. Não tenho saudades de estar em televisão; sou só um homem da rádio, não mais do que isso.
Essa experiência em televisão não foi positiva?
Enquanto jornalista desportivo acho que foi positivo porque levantámos uma série de questões que curiosamente nessa altura não levaram a nenhum tipo de procedimento investigativo e judicial. Não deixa de ser curioso que agora quando as coisas pareciam mais tranquilas estejam então em curso investigações profundas como o processo "Apito Dourado". Foi uma boa experiência nesse plano. No entanto, pessoalmente foi desagradável. Nunca gostei de estar na televisão e sempre que tinha de avançar para o programa era com algum sacrifício que o fazia.
E por que não gostava?
É um fenómeno estranho, estamos ali a olhar a câmara de uma forma até um bocado idiota e nunca temos a sensação de que há gente do outro lado enquanto na rádio há reacções muito imediatas, o telefone toca no estúdio, por exemplo. Há uma proximidade muito mais sentida. E passar de um meio muito envolvente e efectivo para um meio frio e distanciado. Sinto-me feliz agora que já sou razoavelmente anónimo, embora muita gente ainda me identifique aos velhos Donos da Bola. Concluo que o anonimato é o nosso melhor valor e quando o perdemos ficamos demasiado expostos.
Explique, para quem não conhece, qual o conceito da RDP-África, da qual é director.
Começo por dizer que sou africano. Nasci em Angola, tenho dupla nacionalidade, vim para Portugal em 1976, mas nunca perdi essa minha africanidade nem a ligação a África. Tinha acabado de sair da direcção da TSF e deixei-me seduzir pela criação da RDP-África que foi, provavelmente, o melhor que aconteceu em toda a minha carreira. A ligação com os africanos é completamente diferente da que temos com os portugueses ou com cidadãos dos países ocidentais. Ao criar isto voltei a aproximar-me de África.
Conseguiu juntar duas grandes paixões: a rádio e África. Tem já um sentimento de "dever cumprido"?
Não, longe disso. No plano da relação Portugal-África mora em mim uma grande frustração por sentir esse desinteresse português e sobretudo a dramática falta de percepção de que o futuro de Portugal passa por África. Há um mercado de consumidores que não está ainda explorado e vai conseguir impor-se internacional mente porque é um continente rico. E por que acha que isso não acontece?
Porque Portugal vive deslumbrado com a União Europeia, esquece-se de que é apenas uma margem dessa União. Temos uma crise no nosso País e não vejo maneira de solucioná-la que não resulte de uma nova política internacional -que não abandone a Europa nem a relação atlântica com os Estados Unidos - mas que valorize a componente africana que Portugal tem à disposição, valendo-se da afectividade que ainda existe.
Qual é a sua próxima ambição?
Voltar a Angola, às origens, 'ara ficar e fazer aquilo que é muito africano: ficar por ali a ver a vida a passar. Essa é a minha grande ambição poder voltar para contemplar a paisagem e deixar a vida passar.
É um forte crítico da televisão. Como caracteriza o actual panorama televisivo?
Deveria haver uma intervenção que repusesse a comunicação social num determinado eixo orientado no sentido do desenvolvimento do povo português. O que não acontece, deixando-a "à rédea solta" e então temos esta "pes-cadinha de rabo na boca": a televisão oferece às pessoas aquilo que julga que as pessoas querem e as pessoas aderem àquilo que esta lhes dá, considerando que não há mais mundo para além do que lhes é dado. Está-se a criar uma nação de pessoas amorfas, sem nenhum horizonte, que não se sentem estimuladas a ler , a viajar, conhecer monumentos e visitar museus, descobrir o País...
E as audiências?
Esse é um problema, mas temos de decidir se queremos televisões com audiências ou se queremos um povo assim. Eu detesto a forma como estou a ver o povo português. Sou cada vez menos um telespectador dos canais generalistas e cada vez mais um telespectador dos canais por cabo. Confesso que até nem me apetece ver os próprios telejornais, porque a Informação está-se a cingir a um determinado número de parâmetros que é o quanto pior, melhor. Não estou contra ao facto de a televisão nos revelar os horrores do Mundo, estou contra o facto dela não nos revelar as "flores" do Mundo.
Ana Patrícia Sousa
Tv 7DIAS – Março de 2005