DECLARAÇÃO “SECRETA” DE BENS
A obrigatoriedade, imposta pela lei, dos titulares de cargos governamentais de declararem os seus bens, no Conselho Constitucional até 30 dias depois da sua tomada de posse, se afigura um avanço a assinalar, mas a lei devia permitir o acesso aos interessados da referida documentação.
Isto vem a propósito da vontade manifestada pelo actual chefe de Estado, Armando Emílio Guebuza, de que não iria divulgar os seus bens - entendemos divulgar publicamente, uma vez que também, a ele, se impõe que faça a declaração dos seus bens no Conselho Constitucional. Citado por um semanário local, Guebuza assegurou que ele e os membros do seu elenco iriam fazer apenas aquilo que a lei impõe – declarar os bens no Conselho Constitucional – e quanto a tornar público os seus bens (até como estímulo à transparência), isso não faria, porque não é obrigado.
Assim, fica o Conselho Constitucional como único e exclusivo guardião dos segredos e ao cidadão comum, muitas vezes a fonte de muitas denúncias cometidas pelos titulares dos órgãos públicos, se lhe reduz o papel fiscalizador.
Ao que tudo indica, Guebuza não vê, com bons olhos, essa parte fiscalizadora do cidadão comum, ao falar de “subjectivismo” e “anarquia” que pode levar a divulgação, publicamente, dos bens dos titulares dos cargos governamentais.
Reconhecemos ser inquietante, de facto, para quem for obrigado a declarar os bens, sobretudo quando se trata de gente que há 30 anos nem sequer tinha uma moradia pessoal e agora essas mesmas pessoas, por exemplo, são detentoras de um património invejável, incluindo acções em empresas públicas de gestão de abastecimento de água, quotas nas empresas de gestão de estradas, portos, linhas férreas, etc.
Guebuza já disse para não termos medo de “sermos ricos”. Não estamos a ver porque é que ele tem medo de dizer às pessoas qual é o real património seu, até porque já deu o primeiro passo, com a sua elucidativa explicação sobre o seu pontapé de saída na actividade empresarial, começando pela criação de patos.
Eventualmente, a curiosidade, aguçada, naturalmente, é até onde chegou com a criação de patos qual é o seu império. Por outro lado, ficando a declaração dos bens arquivada no Conselho Constitucional, reduz-se o número de “olheiros” apenas aos membros daquele órgão e não muito mais que isso. A comunicação social e outros interessados, à partida, estão vedados ao acesso dos referidos dados. Fica, assim limitado, o direito ao acesso à informação. Estaremos em face de segredo do Estado? Não. Apenas uma opção de um grupo político, obrigado pelo circunstancialismo político e pressionado pelas instituições financeiras internacionais - credoras do nosso país – a ter que aparentar transparência na gestão da coisa pública.
É que o problema do acesso pelos interessados à declaração dos bens depositada no Conselho Constitucional foi levantada na AR e a bancada maioritária, na última legislatura, decidiu pelo actual figurino da lei, que mantém tudo em segredo.
Para a nossa incipiente democracia e no estímulo à transparência, em que o chefe deve ser o exemplo, talvez a melhor opção fosse a permissão de acesso às declarações de bens depositadas no Conselho Constitucional.
Não conseguimos entender porque é que os titulares de cargos governamentais pretendem esconder o seu património a não ser que tenham amealhados esses bens por caminhos menos duvidosos.
Porque é que um proprietário de uma frota de transportes, como António Oliveira, pode pretender permanecer no anonimato. Os autocarros são dele, obteve-os com o seu trabalho e sacrifício.
A Opção actual do Guebas e seus correligionários, essa, sim é que abre caminho à “especulação”, “subjectivismo” e, eventualmente, à anarquia.
JAQUES FELISBERTO
IMPARCIAL – 01.04.2005