Fernando Nota
O jornalista Mário Ferro é visado no livro “Ventos de Destruição” como a pessoa que atraiçoou Adelino Serras Pires, a ponto deste ter sido detido e torturado quase até a morte pela ex-SNASP, acrónimo da então polícia secreta moçambicana. A maneira como o episódio é contado suscitou-me algumas questões. Terá mesmo Ferro (aquele que eu vira dando palestra no Hotel Embaixador por ocasião do aniversário do DM) pertencido a ex-SNASP? Terá ele tido algumas ligações com aquela secreta?
Não tenho ligações pessoais com Mário Ferro, embora deva ressaltar que o conheço pela referência que foi no jornalismo moçambicano independente. Repito. Até à leitura daquela obra que Pires escreveu com Fiona Capstick conheci-o apenas como jornalista. Mas a referência que o livro faz a Ferro como tendo sido “um aprendiz do SNASP que tendo visitado Portugal em Junho de 1984 hospedara-se na casa de Maria José, a irmã de Pires” suscitou-me preocupação a ponto levar-me a escrever estas linhas. Como é que um proeminente jornalista poderia ter sido SISE, aliás, SNASP?
O livro entra em detalhes a respeito de Ferro, mormente um relatório secreto datado de 24 de Julho de 1984, rezando que ele (o Ferro) “bufou” a Samora Machel, ex-presidente de Moçambique, mas para “justificar a visita perante os seus amos espiões, com zelo de um recém-convertido ansioso por ser aceite no SNASP. A cópia do referido relatório, dizem os autores, aponta um certo número de pessoas perigosas para Moçambique, entre as quais a família de Pires.
Segundo o livro, o suposto relatório de Ferro peca por mentiras e imprecisões, que afirma, por exemplo, que a operação de caça na Tanzânia pertencia a um italiano. Diz que as concessões de caça da empresa Hunter Africa se iriam situar perto da fronteira entre Moçambique e Tanzânia, enquanto as mesmas se encontravam a mais de 1600 quilómetros dessa fronteira. Para além disso, acusava-os, a Pires e filho (Tim-Tim)de pertencerem a bandos armados (RENAMO), o que era ridículo.
Conta Pires que Ferro encontrou com Tim-Tim e Caju “por acaso”, quando estes iam a caminho de Madrid e da Tanzânia, para se juntarem a mim na nossa nova operação de caça. Como éramos ex-moçambicanos, pareceu natural que ficasse satisfeito por encontrar pessoas de Moçambique que ele conhecia havia anos. Ferro ficou até tarde depois do jantar em casa da Maria José e de repente perguntou se a família o podia receber para a noite. A minha ex-esposa ofereceu-lhe com satisfação o quarto do nosso filho, que já partira para Tanzânia. Como é natural, Ferro ouviu tudo a respeito dos planos em nome da Hunters Africa, que iríamos pôr em prática nesse país.
Não tínhamos nada a esconder.
O que adensa a minha curiosidade como leitor é a referência que se faz de Ferro: “É um tanto fértil de imaginação em particular vindo de um ex-comando do exército Português que foi empregado de Jorge Jardim ,o homem de Salazar em Moçambique, e aceitava alegremente o salário mensal das suas mãos .Até o facto de o meu filho ter obtido uma licença de piloto nos EUA é exibido como prova de subversão no conto de fadas inventado por este aprendiz da SNASP”. O relatório também declara que a nossa família tinha fugido de Moçambique.
Ferro excede-se a si mesmo quando menciona a minha amizade com “o antigo presidente da França”, Valéry Giscard D’Estaing”, numa linguagem que sugere algo de sinistro. Para concluir este exercício de sabotagem, que quase nos matou a todos, Ferro encerra o relatório com a sugestão de que a nossa presença nas concessões de caça da Tanzânia se destinava a “agitar os moçambicanos que vivem na Tanzânia a fim de os recrutar”.
A intenção dos autores a citar Ferro como a pessoa que os “vendeu” à SNASP tinha por objectivo esclarecer as zonas de penumbra que ditaram um rapto de que ele, o filho e uma terceira pessoa foram sujeitos pela “secreta moçambicana” da Tanzânia para as masmorras de Moçambique de olhos vendados. Os mesmos não poupam “um certo Alves Gomes”, outro dos que ficaram para atrás em 1975 e que teve a ousadia de “me receber quando regressei à Beira em 1995, depois de uma ausência de 20 e tal anos muito difíceis”.
O mesmo Gomes é citado como sendo “um dos boys da Frelimo e os seus relatórios vieram à superfície nos jornais The Observer e The Guardian em todo o mundo”.
Verdade, na palestra que Ferro proferiu na Beira falou da estreiteza da sua relação com Samora Machel. Pena por aquela altura da palestra na Beira não tenha tido o privilégio de ler a obra, senão iria abordá-lo pessoalmente sobre o assunto (O livro diz que foi empregado de Jorge Jardim (?)e aceitava alegremente o salário das suas mãos. Nada melhor senão o Mário Ferro para explicar-me. Até porque o livro é de 2001 (?) e o exemplar que tenho em mão é da sua segunda edição.
Ficaria-lhe grato.
SEMANÁRIO PUNGUÉ – 28.04.2005