ACERCA DA DÍVIDA PARA COM O ESTADO
Custódio Duma*
Depois de ter recebido mais de 60 e-mails comentando, argumentando e contra argumentando as minhas posições no primeiro texto que publiquei com título “COMO É QUE OS GRADUADOS NA UEM, UP E ISRI PAGAM A SUA DIVIDA AO ESTADO” e, claro ter respondido a maior parte deles com algumas linhas de esclarecimento que praticamente serviam de rodapés a minha idéia principal, achei por bem trazer ainda ao debate os conceitos que procurei clarear depois das reações.
Na verdade, apesar de muitos leitores e analistas terem sido levados a julgar o texto com base no título, desviaram-se do dever de analisar as problemáticas que levanto nele, sendo que de entre muitas, trago, mais uma vez, em jeito de rodapé, dois conceitos a discussão, esperando que o tempo nos permita discutir as outras, por enquanto tratemos das seguintes:
- A Problemática das Políticas Públicas e
- O Funcionalismo Público
1. A
A idéia básica que levanto no meu primeiro texto, não é com certeza, a de que o graduado furta-se de pagar a sua dívida, embora enfatizando a existência da tal dívida. O que realmente motivou o levantamento da questão é a inércia do poder publico em criar políticas publicas que contribuam para o bem estar de todos os cidadãos, partindo da educação e da saúde, servindo-se para tal de quadros que ele mesmo forma a cada ano nas mais diversificadas áreas do saber.
É realmente evidente essa falta do Estado em elaborar as tais políticas, pois seria com elas que atrairia os tais graduados a oferecerem a sua força de trabalho e o seu conhecimento para o desenvolvimento do País. Seria através dessas políticas que inculcaria a paixão pela pátria e o “raiva” contra a pobreza absoluta nos jovens quadros.
Nenhum Estado funciona sem políticas públicas, embora nem todas elas sejam justas e viradas ao bem comum, mas nota-se no nosso, um grande “desleixo” (poderia assim dizer) em concentrar os poucos recurso existentes no país e direciona-los para áreas que se sabe serem de urgência e básicas para o desenvolvimento.
Também não sei quantos quadros são graduados no país a partir de universidades públicas, mas é sabido que a cifra está na casa das centenas. E, mesmo assim, existem lugares em Moçambique sem professores. Existem lugares sem enfermeiros, lugares sem médicos e lugares sem juristas. Há professores que tem de caminhar dezenas de quilômetros para dar aulas no distrito ou localidade próxima porque lá não há professores. Há lugares em que o secretario do bairro, ou mesmo o chefe do posto é ao mesmo tempo enfermeiro, professor e juiz.
Enquanto isso se concentra no Maputo cerca de 90% de todos os quadros que o país possui. Quadros que na sua maioria encontram-se desempregados e aos olhos do próprio Estado, acabando na marginalidade e na ilegalidade. Tenho registrado o testemunho de um professor formado pela UP, que pediu ao ministério de tutela que o enviasse a qualquer província, que se voluntariou a trabalhar mesmo ao mínimo salário do seu nível e que recebeu como resposta o seguinte: “como não conseguiu emprego quer se refugiar na educação né?”, tendo sido deste jeito recusado.
Em 1999, escrevi um documentário que mandei ao Governo de Manica e retratava a situação de Nguauala, um posto administrativo no distrito de Macossa. Visistei o local pela primeira vez em 1998 e constatei nele um drama terrível, cerca de 2000 pessoas vivendo num total abandono, sem escola, sem hospital, água potável, sem mercado e até sem igreja, vivendo uma vida tipicamente rudimentar e sobrevivendo da caça e da agricultura. Essas pessoas não gozavam com certeza da cidadania moçambicana.
Quando voltei a visitar o local 3 anos depois, encontrei lá duas grandes construções, dizia-se que uma era para escola e outra para hospital. Eram construções com cerca de 1 ano e meio de existência e serviam de currais para os animais e de wc para as pessoas. Nunca chegaram a funcionar porque dizia-se não há professores nem enfermeiros. Pensei comigo: “alguma coisa ta a faltar neste governo.” Até cá acho que aqueles edifícios já não existem. São políticas públicas mal elaboradas.
A educação e a saúde não são as únicas áreas a que o Estado deveria redefinir suas políticas, (que insisto não serem corretas) temos ainda muitas áreas.
Olhe por exemplo, para os novos bairros que estão surgindo em todo o país na extensão das cidades, os seus planos não incluem espaços públicos para jardins, hospitais, cemitérios, lixeiras, fontenários, escolas e outros.
Olhe por exemplo para os mega projeto de Alumínio e Gás que temos no país. Instaladas no meio da população, sem terem sido feitos estudos de conservação natural e poluição, estado a longo prazo deformando fisicamente a população circunvizinha e trazendo problemas de saúde aos trabalhadores e próximos, isso porque a política não foi elaborada com finalidade de bem comum.
Esses são com certeza, entre outros, os elementos que gostaria fossem discutidos quando levantei a questão de Políticas Públicas.
- Funcionalismo Público
Sobre este ponto não tenho muito a dizer. (Só para ver, não estou feliz com o subtítulo que escolhi). Na verdade o tópico que pretendo abordar (e com certeza levantei no meu primeiro texto) cinge-se ao fato dos quadros na sua maioria se distanciarem do cuidado pela coisa pública, ou seja, não mais querem trabalhar para o Estado.
É claro que o Estado não vai pagar como os particulares. Não sei se existe algum Estado que pode competir com privados, nem acredito que neste milênio isso venha a acontecer. E por causa disso, dessimina-se uma contra informação segundo a qual não vale a pena trabalhar para o Estado. E, claro, o próprio Estado acaba sendo cúmplice quando não cria políticas convidativas e capazes de reter os quadros por mais tempo na função publica, sentindo o orgulho de estarem a contribuir para si mesmo.
Hoje se procura preservar mais outros conceitos, cada vez mais virados ao lucro e não propriamente a valores que contribuam para o bem estar de todos e ao desenvolvimento humano dos povos de áfrica.
Dá-se hoje maior valor ao dinheiro, ao ponto de se acreditar que a corrupção generalizada na nossa máquina publica poderá ser estancada com o aumento do salário dos funcionários do Estado. Considero esta premissa falaciosa, na medida em que acredito residir na consciência das pessoas o maior problema e não na quantidade do que podem ganhar. Já dizia um mestre: “quem não é fiel no pouco nem no muito será”.
O funcionário público deve compreender que não exerce a sua tarefa com finalidade de se enriquecer, mas de servir ao cidadão.
Penso que numa universidade pública, esta idéia deveria ser muito bem enfatizada a fim de que o Estado se perpetue nos seus fins e obrigações.
Penso que o Estado moderno, contornado pelos princípios do mercado aberto precisa ser redefinido, uma vez o seu conceito não mais caber na clássica definição herdada da idade média e do iluminismo.
*Jurista
NOTA: Veja
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2005/04/como_que_os_gra.html