“Ninguém quer dar o braço a torcer”, dizia-se ontem nas ruas de Dili, depois de nos últimos oito dias se terem extremado as posições entre os bispos e o Governo dirigido por um dos fundadores da Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin).
Apesar de a generalidade da população entender que já se foi longe de mais e que é tempo de acabar com as divergências entre aqueles que estiveram unidos na luta contra a ocupação indonésia, parece difícil o episcopado recuar, depois de ter ido tão longe na sua confrontação com o poder político.
“Talvez se devesse ter auscultado mais a hierarquia católica” antes de se ter tornado facultativo, e já não obrigatório, o ensino de Religião e Moral, reconheceu o ministro dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, José Ramos-Horta, que em 1996 partilhou com Ximenes Belo o Prémio Nobel da Paz, pela acção de ambos contra a ocupação de Timor-Leste pela Indonésia.
O Governo teria falhado na forma como optou pelo ensino facultativo da religião, numa terra onde mais de 90 por cento da população se assume actualmente como cristã, que mais não seja como forma de independência perante o grande país vizinho, maioritariamente muçulmano.
A Igreja local, por seu turno, resolveu politizar a questão, indo para um autêntico braço de ferro contra uma “democracia marxista de modelo chinês ou terceiro-mundista”, como resolveu chamar-lhe, em Carta Pastoral.
O Presidente do Parlamento e da Fretilin, Francisco Guterres, “Lu-Olo”, disse em conferência de imprensa que todo o seu partido “cerra fileiras” em redor de Alkatiri, se bem que haja em Dili quem entenda existir algum descontentamento dentro da força política maioritária.
“A Fretilin nunca aceitará um golpe de estado”, sublinhou Guterres, citado pela Lusa. E logo recordou a experiência de 1975, quando uma guerra civil entre diversas facções timorenses serviu de pretexto para que Jacarta decidisse invadir e anexar o país.
“É necessário que o Governo e a Igreja mantenham um diálogo, em busca de soluções para as preocupações dos bispos e das massas”, disse o Chefe de Estado, perante esta situação tão delicada, indício de que o futuro próximo não se apresenta fácil para os timorenses.
Alguns milhares de manifestantes, em parte conduzidos de camião para a capital, a partir do interior, têm mantido uma vigília constante junto à sede do Governo, se bem que nas suas declarações à imprensa Alkatiri e Ramos-Horta procurem minimizar o número dos que protestam, dizendo que são apenas de 500 a 1.000.
Ostentando imagens religiosas, os católicos concentrados em Dili alternam as orações e os hinos com apelos à demissão do primeiro-ministro, que durante a ocupação indonésia viveu exilado em Moçambique, à sombra da Frelimo, de Samora Machel e Joaquim Chissano.
Por seu turno, o ministro do Interior, Rogério Lobato, já desafiou “os padres que queiram fazer política” a despirem a batina e a inscreverem-se num partido, em vez de utilizarem os símbolos da religião para fins muito pouco católicos.