Por: Domi Chirongo
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Maputo
Beira é a segunda maior cidade do meu país. A última vez que a visitei tive o mesmo pesadelo realístico da penúltima. Umas ruínas por cima de um rio. Um rio que não é da vergonha nacional, mas que também envergonha sob outro prisma.
Para todo cidadão de bom senso poderia ser anormal aqueles prédios decadentes a semelhança das cidades fantasmas ou arcaicas que aparecem nas ficções do Indiana Jones. Poderia ser anormal a falta de água potável. As filtrações de água vindas da flat acima.
Águas essas que nem se imagina de que resíduos corporais são misturados. Mas mesmo assim são recebidas carinhosamente em baldes de plástico coloridos na cozinha onde estão os alimentos diários. Falar do parquê já nem é novidade! Paralelamente, as estufadas deterioradas repousam a sua função hospitaleira. É assim que se vai vivendo na dita segunda maior cidade do país.
A impressão que os cidadãos beirenses nos dão é que foram transferidas de uma cidade moderna e como castigo do destino refugiaram-se em ruínas que um dia parecem ter sido lindas.
Há uma cadeia central superlotada no centro da cidade. No tempo de calor morrem reclusos. Segundo os anúncios morrem dois a três reclusos. Mas como já conheço o sistema, se calhar morrem dez ou vinte. Só não sei se morrem tristes ou felizes, pois já não dá para saber quem está aprisionado.
As crianças quando vão a escola são confrontadas com vozes de reclusos que pedem cigarro e pedem para que se dê notícias aos familiares. Os jovens e adultos todos os dias começam as suas actividades depois de avistarem-se com cães revestidos de seres humanos em jaulas de recordação. Mas não são cães, são reclusos que perderam os seus direitos humanos.
Há uma ponte que poderia ser requintada e dali saírem os melhores retratos que ficariam para prosperidade, eternizando assim os momentos inesquecíveis: O casamento, a primeira comunhão, recepção do diploma, entre outros. Mas não. Essa é apenas uma ponte de morcegos que todos dias desfilam na passarele. Mas não são morcegos, são seres humanos portadores de necessidades educativas especiais que são totalmente ignorados.
Na Beira eu chorei. Tanto sofrimento para uma só cidade, meu Deus! E os oportunistas dizem que são problemas políticos. Outros dizem que é tribalismo. Estes até recusam-se a beber a 2M alegando ser de Maputo.
Estes só bebem Manica! Outros ainda, que se conseguem safar, de Maputo gritam com grande alarido “Beira unida jamais será vencida” e volta e meia não investem na Beira.
Na Beira chorei, caminhando devagarinho com o meu cicerone que me alertava a ter cuidado com os prédios em vias de desabar. Caminhava aterrorizado sem saber se sairia vivo daquela Beira que não oferecia esperança.
Sim, era preciso ser intelectual para saber que a morte estava junto a cidade ou a ela misturada. Falo da morte inevitável. Uma vez que há outras mortes facilmente evitáveis como aquelas que são provocadas por “chapas 100” da cidade de Maputo. Por falar em chapas.
Na Beira o conceito de chapa difere totalmente com o da cidade de Maputo. Na cidade da Beira não andam assim tão cheios.
Outros dizem que beirense é confuso por isso prefere andar a pé naquela teimosia que dizem ser típica.
Ah! Eles às vezes orgulham-se disso. Sempre que olham para um maputense a tendência é competir esquecendo-se que o chão beirense está em apuros. Sim, há tantas lágrimas naquele chiveve. E algumas lágrimas são minhas.
O AUTARCA – 19.04.2005