ANA DIAS CORDEIRO
O secretário de Estado português, Gomes Cravinho, analisou a situação política guineense com Olusegun Obasanjo
O secretário de Estado português dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, regressou ontem da Nigéria, onde manteve um encontro com o Presidente Olusegun Obasanjo, sobre a situação em Bissau, num
contexto em que os ex-Presidentes guineenses, Kumba Ialá e Nino Vieira, se preparam para se candidatar às presidenciais de Junho, à revelia da Constituição. A deslocação ontem a Abuja foi precedida de uma visita, terça-feira, a Bissau e de uma passagem pelo Senegal.
"Havia todo o interesse em conhecer as opiniões do Presidente Obasanjo relativamente à situação política na Guiné-Bissau", disse ao PÚBLICO João Gomes Cravinho à sua chegada ontem a Lisboa, lembrando a grande influência do Chefe de Estado nigeriano como presidente em exercício da União Africana e a "enorme importância da Nigéria" no
continente africano e como potência regional da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).
Na sua passagem por Dacar, na segunda-feira, Gomes Cravinho foi também recebido pelo Chefe de Estado senegalês, Abdoulaye Wade. Sem comentar a influência que pode ter este líder africano junto de Kumba Ialá pela amizade que os une e a pressão que poderão exercer as
outras lideranças regionais sobre Nino Vieira, João Gomes Cravinho qualificou o actual processo de "delicado", requerendo "a atenção de todos".
Em Bissau, o representante diplomático português quis manifestar o apoio à Carta de Transição Política, assinada entre todos os actores políticos e responsáveis militares depois do golpe de Estado que depôs Kumba Ialá em 2003. Este documento, inspirado na Constituição do país, impede a candidatura presidencial de qualquer Presidente da
República nas duas eleições presidenciais que se seguem à declaração de renúncia, aplicando-se por isso ao caso de Kumba Ialá e também de Nino Vieira, que renunciou ao cargo em 1999. "Se não houver uma troca de pontos de vista frequentes [entre parceiros internacionais], abre-se espaço a que actores políticos desenvolvam as suas agendas próprias", disse Gomes Cravinho. "Existe convergência de perspectivas para uma actuação conjunta da comunidade internacional", acrescentou, assegurando que "houve uma total harmonia entre Portugal e a Nigéria".
Desta viagem de três dias ao Senegal, à Guiné-Bissau e à Nigéria, o secretário de Estado português diz que regressa "tranquilo relativamente ao futuro da Guiné-Bissau e às perspectivas de colaboração internacional". A sua ofensiva diplomática acontece num contexto em que as relações históricas de amizade entre a Guiné-Bissau e outro país vizinho, a Guiné-Conacri, foram prejudicadas pela
entrada no espaço aéreo da Guiné-Bissau, sem autorização, de uma aeronave militar da Guiné-Conacri que transportou o ex-Presidente Nino Vieira numa visita a Bissau, na semana passada. Nem Abuja nem Dacar tomaram oficialmente posição sobre essa ocorrência e a eventual participação de Nino Vieira na campanha eleitoral, nem sobre a formalização da candidatura presidencial do ex-Presidente Kumba Ialá.
Mas nem o Senegal nem a Nigéria querem ver desautorizada a CEDEAO, que testemunhou o acto de renúncia de Kumba Ialá em 2003 e apadrinhou as negociações para a Cana de Transição.
Nestes últimos dezoito meses, o Senegal constatou que mesmo sem uma pessoa da sua confiança, como Kumba Ialá, na Presidência da Guiné-Bissau, era possível garantir a paz na região separatista senegalesa da Casamansa, que faz fronteira com a Guiné. A estabilidade manteve-se antes e depois do novo Governo de Carlos Gomes Júnior tomar posse
no ano passado. Neste sentido, a relação de amizade entre Wade e Kumba Ialá pode ser repensada, de acordo com os interesses do Senegal.
Do ponto de vista da Nigéria, como potência militar frequentemente chamada a impor a ordem nas crises africanas, interessará sobretudo garantir a paz regional, e ter o apoio do resto da comunidade internacional, o que acontecerá se forem garantidos os governos legítimos e o respeito pelas regras constitucionais.
PÚBLICO - 14.04.2005