Entrevista com Carlos Gomes Júnior Por Ana Dias Cordeiro
PUBLICO - 12.4.2005
O primeiro-ministro acusa o ex-Presidente de ser um "foragido" sob protecção de Portugal e de ter voltado à pátria como um mercenário.
Vai pedir "esclarecimentos" às Forças Armadas guineenses sobre a "forma estranha" como tudo se passou.
O primeiro-ministro da Guiné-Bissau e líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Carlos Gomes Júnior, condenou a entrada "abusiva" em Bissau, para uma visita de três dias do ex-Presidente João Bernardo (Nino) Vieira num helicóptero militar da vizinha Guiné-Conacri, sem autorização prévia do Governo. "Só não tomámos outras medidas pelas relações históricas de amizade entre a Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri", disse Carlos Gomes Júnior numa entrevista telefónica ao PÚBLICO ontem, já depois de na véspera, numa conferência de imprensa em Bissau, ter acusado o general Nino Vieira
de entrar no país "como um mercenário".
O chefe do Governo guineense, eleito nas legislativas do ano passado, garante que há razões para que seja esclarecida a responsabilidade judicial do ex-Presidente nalguns processos, e relativiza a contestação à sua liderança pela "ala perturbadora" do partido que
apoia o regresso definitivo de Nino Vieira ao país.
PÚBLICO—Como reage a um regresso eventualmente definitivo de Nino Vieira e à sua possível presença na campanha para as presidenciais de 19 de Junho?
CARLOS GOMES JÚNIOR —Nino Vieira é um general foragido, fugiu na altura da guerra, refugiou-se na embaixada de Portugal, num processo que culminou com o seu pedido de exílio político. Naturalmente que as autoridades guineenses teriam de ter conhecimento do seu regresso
porque a justiça deve pronunciar-se sobre o seu estatuto. Todos os filhos da Guiné-Bissau são bem-vindos a participar num processo de reconciliação, mas pensamos que não foi adequada a forma como ele chegou, nem toda a arrogância e prepotência com que se rodeou. Foi um mau prenúncio.
O que quer dizer com mau prenúncio?
Ele entrou como um mercenário e não como uma pessoa que quer participar na reconciliação nacional, conforme disse. Veio numa aeronave militar com militares estrangeiros armados, aterraram sem licença de sobrevoo do nosso espaço aéreo, no Estádio Nacional. O Governo não recebeu nenhum aviso da sua chegada.
Isso foi possível porque o ex-Presidente tinha a anuência das próprias forças militares da Guiné-Bissau?
Ainda não dispomos de todos os dados. Não podemos responder pela responsabilidade dos outros. Mas entrar no espaço aéreo nestas circunstâncias requer que o Estado tome as devidas providências para chamar à responsabilidade as pessoas envolvidas em todo esse processo. Já demos participação às instâncias internacionais e trataremos com Conacri pela via diplomática. Só não tomámos outras medidas pelas relações históricas de amizade que existem entre aGuiné-Bissau e a
Guiné-Conacri.
Nino Vieira podia ter entrado no pais se não tivesse a protecção das Forças Armadas guineenses, quando o seu Governo já tinha dito que não garantiria a sua segurança?
Desconhecemos os meandros em que o seu regresso foi tratado, junto do Governo português—responsável pelo exílio político que concedeu a Nino Vieira—como de todas as partes envolvidas. Condenamos a forma abusiva e ostensiva como ele entrou no país.
Manteve um encontro com o chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas no dia da chegada de Nino Vieira ao país. Sentiu necessidade de ter garantias do general Tagmé Na Wale?
Houve a garantia das Forças Armadas da sua subordinação ao poder político. Agora, o Governo terá de pedir esclarecimentos sobre a forma estranha como Nino Vieira entrou no país. O ministro da Defesa terá de produzir um relatório para se saber o que se passou.
Há ou não processos nos tribunais da Guiné-Bissau que justifiquem o julgamento do ex-Presidente, como defenderam algumas pessoas no passado?
Essa questão nunca foi esclarecida. Posso garantir que existe um processo de tráfico de armas [para a Casamansa] no qual Nino Vieira, como ex-Chefe de Estado e comandante-chefe das Forças Armadas, tem responsabilidade moral. Eu, como vice-presidente da Assembleia Nacional Popular, participei nesse inquérito [parlamentar de 1998].
Quanto ao levantamento de 7 de Junho [de 1998], e à entrada de militares estrangeiros no nosso pais, naturalmente que existirá um processo. Houve mortes, houve pessoas que perderam os seus bens. O general é um general foragido, fugiu com a ajuda de Portugal que promoveu a sua saída do país. Estes casos devem ir a julgamento.
Nessa altura da entrada das tropas estrangeiras, o senhor não estava ainda ao lado do general Nino Vieira?
Nunca estive. Na altura, eu posicionei-me contra, existem actas na Assembleia Nacional Popular das minhas intervenções.
Como reage à ala do PAIGC que contesta a sua liderança?
Há dirigentes do PAIGC que se rodearam do ex-Presidente Nino Vieira, que querem pedir a minha demissão. Cada um é livre de ter as suas opções, desde que seja nos termos da normalidade. Eu fui eleito num congresso, pela maioria dos militantes. Estou a dirigir o partido há mais de três anos e o meu desempenho tem sido saudado no plano nacional e internacional. Se há militantes que se sentem frustrados,
naturalmente que a direcção do partido, se formos acongres-so, analisará essa situação. Os militantes são quem terá de se pronunciar sobre a realização de um novo congresso. Mas esse grupo que defende um congresso está devidamente identificado como uma ala perturbadora do
partido, que está frustrada. Já por duas vezes tentaram, através da falsificação de documentos.