
Por Fernando Lima
Numa das muitas estórias dos "anos de chumbo", um grupo de jovens foi detido por estar a observar o pôr do sol junto ao viaduto que liga a zona do Ministério da Defesa à Escola Náutica, em Maputo.
Para quem conhece, as imagens são habitualmente espectaculares. Não entendeu assim o jovem militar, a quem foi dada a tarefa de patrulhar a zona, sempre alerta "contra o inimigo".
Os turistas atónitos argumentaram com a mágica do momento, atordoados de serem transportados para o real de um país em guerra. "Não há pôr do sol na vossa terra ?", terá dito o mancebo aos loiros.
Tudo isto a propósito de uma viagem ao mundo dos odores e sabores do Oriente Médio pela mão do cineasta Tassos Boulmetis. Ali onde a velha Europa abraça o Próximo Oriente, também Ásia Menor. Um filme que fala de origens e identidades. De alguém que nasceu em Istambul, Turquia, grego originário, deportado para Atenas por força dos conflitos em Chipre no início dos anos 60.
O herói, é grego na Turquia e turco na Grécia.
Como que inevitável, há o regresso. O retorno a Istambul, a casa, às ruas, aos odores e ao pôr do sol.
Uma estória que nas nossas vivências de trinta anos independentes já ouvimos contar muitas vezes.
Dos americanos que têm de regressar ao Vietnam.
Dos são tomenses que imperativamente sonham no regresso a Angola e a
Moçambique. Dos portugueses que até hoje são "moçambicanos" e "angolanos".
Dos sul-africanos que precisam de revisitar LM, Xai-Xai, Tofo Beach.
O que nos faz a todos fazer estas viagens do coração para ver a côr da areia, o bafo quente da canícula, as aguarelas do pôr do sol.
Não há pôr do sol em todas as partes do mundo?
A nossa interioridade é muito mais que a temporalidade das leis, ou os passaportes que os poderes do dia distribuem a cada um de nós, com etiqueta e número de série.
Como será que um sérvio olha o seu documento de viagem jugoslavo? Come mais beringelas que um croata? E se as levarem ao forno com alho e azeite vão esquecer um passado recente retalhado a tiros de AKM ?
É estranho ver em Nacala e Nampula cinquentões grisalhos com t-shirt da "9a. Companhia" matando saudades na Ilha. "Tínhamos que voltar".
É missão que tinham de cumprir.
Com ou sem especiarias.
Nalgum lado, nalgum tempo regressamos sempre a Constantinopla.
Savana Maputo 29.04.2005