Após a conferência de Helvoirt, «a nossa primeira preocupação foi harmonizar e homogeneizar todos os sectores que funcionavam estruturalmente no seio da FLEC/FAC e da FLEC Renovada. Efectuamos assim a fusão das nossas forças Armadas que dispõem hoje de um só Estado Maior General que obedece à hierarquia política da FLEC. A realidade actual no terreno informou-nos sobre as características de operações militares que as nossas forças estão a efectuar no interior do país e aconselha-nos a adaptar as nossas tácticas que vão da guerra clássica à guerrilha», declarou António Nzita Mbemba.
«A presença dos nossos homens no terreno é bem clara e as acções militares concertadas e coordenadas são efectuadas a todo o momento», garante o representante da FLEC em França. Segundo Mbemba, os últimos combates tiveram lugar na localidade de Chicoango, durante o mês passado, causando a morte de três soldados das Forças Armadas Angolanas (FAA) e oito feridos. «Cabinda vive um estado de guerra. Senão, como é que Angola justifica a presença massiva de militares das FAA em todo o território de Cabinda?», interrogou-se o representante do movimento. «Nós somos obrigados a defender o nosso povo por todos os meios legítimos entre os quais a luta armada, a qual nos é imposta e que mantemos desde a anexação de Cabinda por Angola. No entanto nunca fomos senhores da guerra, em 1963 quando a FLEC foi criada, o nosso movimento privilegiava a política da não-violência para atingir os seus fins. A guerra foi-nos imposta pela brutalidade das incursões das forças do MPLA/FAPLA, em Cabinda, poucos meses antes da proclamação da independência de Angola», acrescentou.
«As forças angolanas, herdeiras das FAPLA», sublinhou o representante da FLEC, continuam, ainda hoje, «as suas acções criminosas e bárbaras contra as populações cabindas sem defesa. Desde há 40 anos que resistimos contra esta forma de opressão, e isto sem qualquer ajuda exterior. O que é um feito excepcional nas histórias das lutas de libertação nacional no mundo, todos os movimentos que combateram legitimamente pela libertação dos seus povos foram apoiados e ajudados. Contudo, a luta de libertação do povo de Cabinda é justa e legítima».
Na entrevista ao Ibinda.com, abordou ainda a questão da «visibilidade militar» da FLEC: «Fico surpreendido quando algumas pessoas bem informadas nos perguntam hoje sobre a nossa visibilidade militar, quando essas mesmas pessoas são actores no embargo multi-sectorial de que nós somos vítimas desde o início da nossa luta. Hoje, temos de ter a coragem e o orgulho de dizer ao nosso povo que nós tentamos tudo, que nos deslocamos para todos os sítios onde justificamos a razão do nosso combate. Porém, não desanimamos. Já nos apercebemos de alguma luz ao fundo do túnel mas ainda é longo o caminho a percorrer, nós necessitamos de maior mobilização da população na luta pela defesa dos seus direitos».
Política e diplomacia
Questionado sobre as mais recentes acções políticas da FLEC, António Nzita Mbemba respondeu: [No plano político] «efectuamos acções de informação e sensibilização, junto das nossas populações no interior e no exterior de Cabinda, relativas ao actual projecto da FLEC. Entretanto, reunimos na primeira sessão extraordinária do Nkoto Likanda, Conselho Nacional do Povo Cabinda, onde debatemos todos os assuntos relativos ao funcionamento da FLEC, e que, em unanimidade, voto duas moções que foram tornadas publicas».
No plano diplomático, acrescentou, «procedemos ao estabelecimento de representações da FLEC no exterior, e informamos vários chefes de Estado e Governos, da nossa disponibilidade para encontrar uma solução negociada neste conflito que nos opõe ao Governo angolano. Participamos também na 61/a Sessão da Comissão dos Direitos Humanos da ONU em Genebra, onde tivemos a oportunidade de trocar impressões, em audiência privada, com delegados de vários países e de organizações internacionais».
Fórum Cabindês para o Diálogo
O FCD foi criado na sequência de um acordo entre a sociedade civil de Cabinda e a FLEC, por ocasião da conferência intercabindesa em Helvoirt. «A acta constitutiva do FCD foi conjuntamente assinada pela FLEC, pelo presidente da Mpalabanda e pelo vigário-geral da Diocese de Cabinda», lembrou António Nzita Mbemba. «Esta acta constitutiva foi reconhecida por decreto pelo presidente da FLEC que nomeou a equipa do FCD, posteriormente ratificada por uma moção do Nkoto Likanda. O decreto presidencial afirma claramente que a equipa de negociações, a qual tem a confiança total do presidente, é responsável perante o Bureau Político da FLEC ao qual apresenta os resultados, para análise e concertação, dos processos verbais de negociações e, em caso de necessidade, o Bureau Político submete os relatórios das negociações a aprovação no Nkoto Likanda», relatou ainda.
Em finais de Fevereiro deste ano, a equipa do FCD teve o seu primeiro seminário preparatório durante o qual foram definidas as condições do seu funcionamento. «Muitas pessoas comentam agora sobre o verdadeiro papel do FCD com o intuito de criar confusões e com a intenção de pôr em causa a sua missão», observou o representante do movimento. «Eu digo a essas pessoas, clara e energicamente, que a missão do FCD está definida na sua acta constitutiva e mais nada. O FCD não é um novo movimento político cabinda. Ele é constituindo por uma comissão ad-hoc e deverá desaparecer assim que a sua missão esteja concluída. Quando olho nos olhos os meus compatriotas cabindas, digo-lhes que nós temos o dever de ter confiança uns nos outros e temos de aceitar de sermos delegados e representados», avisou.
«Através das várias cartas que enviamos às autoridades de Angola, manifestamos a nossa abertura a favor de negociações globais, francas e sinceras que conduzam à resolução do conflito em Cabinda», adiantou o mesmo representante. «Sobre este assunto, aguardamos por um sinal positivo e corajoso da parte de Angola para desbloquear a situação. Nós dizemos ao Governo de Angola: não tenham medo das negociações, sejam realistas», revelou ao Ibinda.com.
«Acredito no diálogo, e continuarei firmemente a acreditar até que me convençam que não tenho razão. Não serve de nada continuar a se esconder e a não se render às evidências», assegurou.
Para o representante da FLEC em França, o MPLA ainda é um movimento fiel à sua herança ideológica marxista-leninista. «Assim, ele não é receptivo compromissos ou diálogo construtivo pela emancipação da democracia de Angola, esta situação faz arrastar o processo de paz em Cabinda».
Apesar da sua admissão na Internacional Socialista, referiu, «o MPLA arrasta-se para conseguir a sua própria conversão num movimento social-democrata. António Nzita Mbemba considera que os quadros do partido no poder em Angola «são inacessíveis e fecham-se na lógica do mais forte, contrariamente aos dirigentes da UNITA que, apesar das nossas divergências sobre o futuro estatuto político de Cabinda, estão abertos e não recusam um debate contraditório e fraterno».
Mpalabanda e Igreja
O representante do movimento em França considera que o trabalho que a Mpalabanda - Associação Cívica de Cabinda efectua, em prol da defesa dos Direitos Humanos no território de Cabinda, é de saudar e felicitar «na medida que permite a manifestação publica da consciência de todo um povo face ao desafio que é o seu, de se afirmar como uma nação una, orgulhosa da sua língua, da sua cultura e das suas tradições».
Por outro lado, António Nzita Mbemba lembrou que cerca de 95% da população de Cabinda é católica. «Mesmo eu sou um fervente católico praticante», observou. «A designação de Dom Filomeno à cabeça da Diocese de Cabinda é lamentável, o Vaticano deveria reponderar esta situação», afirmou, acrescentando que espera que o novo Papa compreenda «o desespero «manifestado pelo povo de Cabinda».
Portugal
«Nós sempre pecamos por não mantermos relações contínuas e eficazes com Portugal», admitiu o responsável da FLEC. «A nossa presença em Portugal deverá ser visível, tanto no plano político como mediático. Principalmente neste momento, quando há um novo Governo», referiu.
Mbemba lembrou ainda que o Partido Socialista (PS) português apoiou a candidatura do MPLA na Internacional Socialista. «Esperamos que José Sócrates, jovem dirigente de uma nação em plena mutação na União Europeia, utilize a sua influência política e diplomática para facilitar a resolução pacífica do conflito que nos opõe ao Governo angolano», declarou, salientando que na FLEC há vários responsáveis que «são militantes de vários partidos socialistas na Europa e em África».
Arthur Tchibassa e Alexandre Batchi «Stik»
«Não posso concluir esta entrevista sem me referir sobre o destino dos nossos dois compatriotas», declarou António Nzita Mbemba, referindo-se a «Arthur Tchibassa e Alexandre Batchi, que, cada um no seu momento, foram ilegalmente detidos no território da República Democrática do Congo».
Tchibassa, comentou, «depois de detido, foi enviado para os Estados Unidos onde foi sujeito a um julgamento, manifestamente cheio de irregularidades, que o condenou injustamente a mais de 24 anos de prisão. Nos fóruns internacionais que tivemos a oportunidade de falar com os delegados dos EUA, tentamos sempre que eles compreendam que não se pode confundir a defesa legitima de um povo que quer recuperar os seus direitos confiscados, com a luta contra o terrorismo no plano internacional».
Segundo o responsável do movimento cabinda em França, em 2002 o Governo angolano «pôs tudo em prática para que a FLEC fosse considerada como um movimento terrorista, no entanto as potências ocidentais que conhecem bem a causa do povo cabinda, recusaram as pretensões de Luanda».
Quanto ao «desaparecimento forçado de Alexandre Batchi», que é membro do FCD, o representante do movimento contou que a FLEC enviou uma carta às autoridades da RDC, na qual afirma que «as suas responsabilidades civis estão em causa com este caso dado que esta acção de rapto é posto à resolução 47/133 da ONU sobre a protecção das pessoas e contra os desaparecimentos forçados». Uma cópia desta missiva, acrescentou, foi enviada a Louise Arbour, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos. |