ANA DIAS CORDEIRO
Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros promete alterar o quadro da cooperação em Portugal.
A área da cooperação é geralmente muito criticada: acções dispersas, mal coordenadas que resultam muitas vezes no desperdício de meios e em resultados pouco visíveis no terreno. A percepção geral nos países de expressão portuguesa é a de que a política de cooperação dos governos de Lisboa (ou a falta dela) fica aquém das expectativas. Mas o que explica isso? E como pode a situação ser melhorada?
O secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, João Gomes Cravinho, reconhece, em conversa com o PÚBLICO, que este é um problema de sempre, desde que existe cooperação, há 30 anos. Em sucessivos governos, utilizaram-se recursos do Orçamento do Estado "por parte de dezenas ou centenas de instituições públicas portuguesas, que contribuíram para não se sabe bem o quê", exemplifica.
Mas responsabiliza sobretudo os dois executivos anteriores — de Durão Barroso e Santana Lopes — por terem "destruído" muito do que "começou a ser construído no fim dos anos 1990", pelo Governo de António Guterres, quando "houve uma tentativa para começar a enraizar" uma política de cooperação. "É consensual entre aqueles que trabalham ou têm conhecimento nesta área que Durão Barroso, apesar da sua fama, não foi um bom primeiro-ministro no que toca a cooperação".Esta foi uma das "raras áreas em que se registou uma melhoria na passagem de Durão Barroso para Santana Lopes", insiste.
"A minha missão é retomar o processo, pegar nos cacos do trabalho feito, juntar as diferentes pecas de que dispomos como instrumentos, pô-las todas a trabalhar no mesmo sentido e criar uma política de cooperação. É uma coisa que nunca existiu", explica. No retraio que traça dos últimos anos, Gomes Cravinho destaca a perda de influência de Portugal nos circuitos internacionais, e uma reforma institucional inacabada, que penalizou a internacionalização das empresas portuguesas nos PALOP, em "desvantagem" face às congéneres europeias.
Prejuízos para as empresas portuguesas
Na reforma institucional "mal feita e pouco aprofundada", criou-se o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), mas ficaram de fora parte das actividades que pertenciam à Agência Portuguesa de Apoio ao Desenvolvimento (APAD), sem que tivessem sido criadas alternativas. Resultado: parte da cooperação económica deixou de se fazer.
A extinção do organismo de acesso aos fundos comunitários para projectos de investimento nos países da África, Caraíbas e Pacífico(ACP), em Janeiro de 2003, é disso exemplo: empresas e instituições portuguesas não puderam, nos dois últimos anos, aceder a verbas disponíveis nas instâncias internacionais.
Com os organismos existentes noutros países europeus, as empresas estrangeiras têm "pontos de observação privilegiados", e entram mais facilmente nos mercados resultantes das acções de cooperação. "Existe [em Portugal] uma lacuna institucional forte à qual teremos agora de corresponder", promete. Por outro lado, a ajuda pública ao desenvolvimento, gerida pelo IPAD, passará a orientar-se para os grandes Objectivos de Desenvolvimento do Milénio definidos pela ONU em 2000 — de redução da pobreza, e melhoria dos serviços de saúde e ensino — a que se comprometeram os Estados doadores relativamente aos países em desenvolvimento e que foram até aqui "ignorados" por Portugal.
Portugal "deixou de fazer sentir a sua voz"
Nos últimos três anos, a relação com as instituições multilaterais e financeiras internacionais "definhou completamente", diz Gomes Cravinho, que dedicou muitos anos a trabalhos como consultor para instâncias internacionais. "Portugal deixou de fazer sentir a sua voz" na Comissão Europeia ou no Banco Mundial, em questões relacionadas com Moçambique ou com Timor-Leste. "Era algo de extremamente palpável Os interlocutores políticos não sabiam do que estavam a falar, nem tinham nenhuma ideia para a intervenção naquela área. Não havia uma lógica global."
Por fim, nova legislação introduzida "tornou extremamente difícil a utilização dos fundos por parte das ONG [organizações não governamentais]", levando a uma "diminuição radical" do seu grau de actividade nos países em desenvolvimento. A partir de agora, diz Cravinho, a prioridade será que a cooperação portuguesa siga "uma lógica concertada e uma estratégia bem delineada". "Não se faz de um dia para o outro, mas é isso que se pretende no espaço da legislatura."
PÚBLICO - 17.05.2005