ANA DIAS CORDEIRO
Chefe das Forças Armadas garante controlar situação no país e pede reforço policial na capital.
A capital guineense viveu ontem um dia de grande tensão, que começou com a ocupação, de madrugada, do palácio presidencial pelo ex-chefe de Estado deposto Kumba Ialá, com a cumplicidade de um grupo de militares, qualificada pelo Presidente interino, Henrique Rosa, de "tentativa de golpe de Estado falhado". Depois de controlada essa primeira situação, distúrbios entre dois grupos antagónicos — um de apoio e outro contra Kumba Ialá — resultaram num intenso tiroteio, entre os apoiantes do ex-Presidente e a polícia que interveio para controlar a situação, provocando pelo menos três feridos, segundo
informações da Lusa.
Este incidente aconteceu depois do primeiro grupo ter disparado para o ar para dispersar os manifestantes que apedrejavam a casa de Kumba Ialá, acusando-o de "assassino", "bandido" e "intriguista". Mais tarde, estes manifestantes incendiaram mobiliário, documentação e três viaturas, na sede do Partido da Renovação Social (PRS), que apoiou a candidatura presidencial de Kumba Ialá, levando a polícia a disparar granadas de gás lacrimogéneo para dispersar os distúrbios.
Para os dois locais que tinham sido palco dos incidentes da manhã foi destacado um importante dispositivo das brigadas de intervenção rápida e da polícia de intervenção. O chefe de Estado-Maior General das Forcas Armadas (CEMGFA), Tagmé Na Waie, pediu entretanto ao Governo um reforço policial nas zonas onde se registaram os actos de vandalismo, segundo disse à Lusa fonte governamental. Depois do conselho de ministros extraordinário, o Governo condenou o acto como um "atentado contra a segurança do Estado".
O Presidente interino, Henrique Rosa, qualificou a ocupação do palácio presidencial por Kumba Ialá de "tentativa de golpe de Estado falhado" com a cumplicidade de um grupo de militares que entrou à força e ameaçou os guardas no interior do edifício. Um conjunto de organizações da sociedade civil exortou as autoridades a
responsabilizar Kumba Ia-la e seus cúmplices, acusou o Senegal de ingerência nos assuntos internos e cumplicidade na instabilidade que a Guiné atravessa, e apelou à participação de toda a população de Bissau numa vigília pela paz, ontem à noite.
Segundo o Presidente, Henrique Rosa, foram iniciadas averiguações para apurar responsabilidades entre os militares e os civis envolvidos. Rosa congratulou-se pela contenção da situação e pelo papel do chefe de batalhão da guarda presidencial, tenente-coronel Braúna Djeju.
Chefe das FA fala em questão "puramente militar"
O Presidente interino elogiou a "pronta resposta" do CEMGFA general Tagmé Na Waie, que fez um ultimato a Kumba Ialá para abandonar a Presidência. Henrique Rosa fez saber que Tagmé Na Waie lhe tinha dado totais garantias de controlar a situação no país. O CEMGFA, por sua vez, apelou à calma e garantiu que "as FA permanecem leais às instituições da República", ao mesmo tempo que disse, citado pela AFP, "já não haver margem para um golpe de Estado militar" no país.
Tagmé Na Waie afirmou ainda que esta era "uma questão puramente militar" e como tal seria analisada, escusando-se a identificar os cerca de 20 militares cúmplices do acto de ontem. Nos últimos dias tem sido notória a perda de apoios populares por Kumba Ialá poucas pessoas compareceram nas duas manifestações em seu apoio —, mas também militares e políticos, com o distanciamento de certos dirigentes do seu partido e outras forças políticas que o apoiavam.
Sola N'Quilin, um dos dirigentes do PRS que promoveu a candidatura às eleições do ex-Presidente e esteve presente na auto-proclamação de Kumba Ialá como chefe de Estado, declarou à Lusa que o partido se demarcava da ocupação do palácio presidencial.
Em declarações à RDP-África e à Rádio de Cabo Verde, Ialá desmentiu querer tomar o poder pela força, dizendo não ter meios para isso e dando a entender que tinha havido uma montagem de desinformação para o prejudicar.
PÚBLICO - 26.05.2005