O Bastonário da Ordem dos Advogados (OA) da Guiné-Bissau defendeu hoje que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ao aceitar as candidaturas dos ex-presidentes "Nino" Vieira e Kumba Ialá, representa a "absoluta capitulação do poder judicial".
Por José Sousa Dias da Agência Lusa
Numa entrevista à Agência Lusa, Armando Mango sublinhou que os profissionais da Justiça guineense aguardavam a decisão do Supremo para "finalmente afirmar a sua independência" do poder político, mas, "mais uma vez", isso não se verificou.
Segundo o bastonário dos advogados, o Supremo, ao aprovar as candidaturas de "Nino" Vieira e Kumba Ialá às eleições presidenciais do próximo dia 19 de Junho, rejeitando as de sete dos 21 candidatos, tomou uma "decisão política" e deixou de lado a perspectiva "jurídica".
"Toda esta situação provocada pelo Supremo é a absoluta capitulação do poder judicial. Todos pensámos que o Supremo iria afirmar-se, arrastando consigo toda a máquina judicial, e que esta era a oportunidade ideal para isso. Infelizmente enganei-me", observou.
Armando Mango, que sublinhou desconhecer o conteúdo dos acórdãos, afirmou, por outro lado, que Kumba Ialá "tem agora, se quiser, todos os poderes" para impugnar todo o processo eleitoral, toda a transição e até o próprio golpe de Estado de que foi alvo em Setembro de 2003. "(Kumba Ialá) tem elementos para impugnar as eleições legislativas passadas e este governo que está no poder. Vem aí todo um manancial de questões que o Supremo deveria ter previsto, amadurecido e decidido conforme a lei e não conforma a política", sustentou.
"Se a candidatura de Kumba Ialá passa no Supremo é porque ninguém teve em conta a renúncia. Se a renúncia foi consagrada na Carta de Transição, significa que puseram em causa a Carta de Transição. Se se pôs em causa a Carta de Transição, significa que se pôs em causa a transição. Se se pôs em causa a transição, puseram em causa tanto o governo de transição como o presidente de transição como ainda o próprio governo que saiu das legislativas", acrescentou Armando Mango.
No seu entender, Kumba Ialá tem, assim, "se quiser", as "portas abertas" para contestar toda a transição e "reassumir o poder" sem que haja a necessidade de se realizarem eleições.
A questão passa por Kumba Ialá ter apresentado, em Janeiro deste ano, 15 meses após ter renunciado ao cargo de presidente da República, uma impugnação à Carta de Renúncia no Tribunal Regional de Bissau, que ainda não tomou qualquer decisão.
No entanto, a candidatura de Kumba Ialá, no entender de Armando Mango, torna-se "irreversível" a partir do momento em que o Supremo Tribunal tem prevalência sobre o Tribunal Regional, pelo que a decisão sobre a impugnação está "tacitamente resolvida".
"Tudo isso é uma incongruência. Se há uma impugnação da renúncia, apresentada no tribunal, e se esse tribunal ainda não decidiu, e se há uma Carta de Transição que diz que o renunciante não pode candidatar-se nos próximos cinco anos, a lógica seria que, ou o Supremo esperasse pela decisão do Tribunal Regional, ou então, que indeferisse a candidatura por pendência de processo judicial", sustentou.
"Não se esperou pela decisão do processo no Tribunal Regional e a candidatura passou com a Carta de Transição depositada no Supremo. Não percebo por que é que a candidatura (de Kumba Ialá) passou. Deve ter sido um comité qualquer e não um Supremo que decidiu isso", afirmou.
Armando Mango, que disse "já esperar tudo do sistema judicial" guineense, alertou para a eventualidade do cenário que pode surgir se o Tribunal Regional de Bissau vier a decidir que a renúncia de Kumba Ialá não podia ser impugnada.
Segundo o bastonário da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau há um "simples facto" que tem de ser tido em conta e que é a prescrição do prazo de reclamação apresentado por Kumba Ialá.
"Não é sobre o fundo da causa mas sim sobre a forma. O prazo para a impugnação prescreveu pois, sendo uma anulabilidade, a impugnação deveria ter sido apresentada no prazo máximo de um ano. Foi para lá de um ano (15 meses) e só esse elemento permitiria que o processo fosse liminarmente indeferido", sustentou.
Armando Mango sublinhou que, para ter uma decisão "lógica e coerente", seria "preferível" que o Supremo tivesse aprovado todas as 21 candidaturas, uma vez que "algumas delas são tão polémicas" que, ao serem admitidas, "soa a grande injustiça ter candidatos excluídos". A este propósito citou o caso do líder do Partido Unido Social- Democrata (PUSD), Francisco Fadul, um dos sete candidatos excluídos pelo STJ, questionando como é possível ter sido primeiro-ministro (1999/2000) e ver agora a sua candidatura rejeitada.
"Deve ter havido um comité, que não é jurídico, que decidiu as candidaturas de Kumba Ialá e "Nino" Vieira, e houve um STJ que decidiu as outras. Para quê dois pesos e duas medidas?", questionou Armando Mango, notando que os excluídos "podem" recorrer pelas vias legais.
Questionado pela Lusa sobre se, depois de tudo o que se passou, esses candidatos excluídos podem acreditar na Justiça, Armando Mango respondeu que não, mas sublinhou: "infelizmente, essa é a única via que existe".
Em relação a "Nino" Vieira, o Bastonário da Ordem dos Advogados defende que há uma interpretação que "pode ter várias cambiantes" e que, por essa razão, "não é linear".
"Segundo o meu ponto de vista, o candidato renunciante ("Nino" Viera também renunciou em 1999) não poderia candidatar-se no primeiro mandato e num mandado subsequente. Houve um mandato que passou (o de Kumba Ialá), está a faltar o segundo, que não passou e, assim, o prazo ainda não venceu. Se não venceu, então essa candidatura (a de "Nino" Vieira) não devia passar. Voltamos à decisão política", concluiu.