Miguel Trovoada, ex-presidente de São Tomé, não quer acreditar que o continente esteja condenado.
Correio da Manhã – África poderá sair do ciclo da pobreza, da guerra e da corrupção?
Miguel Trovoada – É preciso lembrar de onde ela vem. É um continente que vem da escravatura, da colonização, da exploração, de questões de partilha. O continente que temos hoje é constituído por muitos estados que nasceram a partir de 1960. É evidente que há sequelas. Não quero com isto dizer que os líderes não tenham responsabilidade. Mas não devemos perder de vista que os outros continentes também atravessaram períodos de turbulência antes de chegar à estabilidade.
– Mas África tem tido apoio.
– África entra num jogo em que não contribuiu minimamente para as regras. Veja, por exemplo, o que sucede com comércio: impõem à África um liberalismo desenfreado quando as grandes potências continuam a praticar o proteccionismo. Mas não considero que o continente africano esteja condenado. Não é tudo mau. Foi a África que, com os seus recursos naturais e humanos, financiou o desenvolvimento da Europa e da América
– O primeiro-ministro britânico Tony Blair aposta numa espécie de um plano Marshal.
– Não se pode decidir em Londres, em Paris, em Nova Iorque, o que fazer em África. Tem de se decidir em parceria com África. Muitos países africanos que recebem ajuda não têm uma palavra a dizer, inclusive nas opções a fazer nos projectos financiados.
– É preciso mais diálogo?
– Creio que o nível de exigência em relação a África é um pouco exagerado. É como se os estados africanos, em 10, 15, 20 anos de existência fossem super-estados que tivessem obrigação de fazer coisas que outros não fizeram num século. Não esqueçamos que estamos a tomar como termo de comparação países altamente desenvolvidos.
CORREIO DA MANHÃ - 25.05.2005