Citando muito liminarmente o outro, os Países Ricos, concretamente a União Europeia, acabam de disferir mais um violento “soco no estômago” ao Terceiro Mundo, incluindo Moçambique. É mais uma injustiça dos ricos contra os pobres, que se confrontam com a dificuldade de reerguer as suas débeis economias.
O “soco no estômago” é nada mais nada menos, que o efeito perverso da limitação das quotas de colocação de açúcar dos países em desenvolvimento no mercado preferencial da UE, medida essa que vigorará a partir de 2009.
Enquanto se pensa no descalabro de 2009, a partir de 1 de Junho próximo o preço por tonelada vai baixar por imposição da UE. Uma situação que acontece quando localmente no ano transacto a produção global foi de 220 mil toneladas, contra 253 previstas.
O País teve um declínio de três por cento na produção açucareira, mau grado 100 mil toneladas não tirem tido colocação no mercado.
Em termos numéricos, o resultado de venda na UE e EUA (mercados preferenciais) resultaram ano passado em 26 milhões de dólares americanos ao País, contra sete milhões de dólares americanos do mercado internacional livre onde não há incentivos porque os preços variam constantemente (dumping) - 150 dólares a 150 dólares/tonelada.
Repare-se o caso da UE, onde com a redução do preço em 33 por cento, a tonelada, o açúcar nacional passará a custar 329 euros. Em Janeiro passado, a Grã-Bretanha (que preside o G7 e a UE), através de Gordon Brown, havia assegurado que o seu país iria ajudar a proteger a indústria açucareira nacional, para onde concorreu no investimento da Maragra.Aoquetudoindica,tudo não passou de um bluff. A decisão da EU visa perpetuar o sofrimento dos países pobres e recuperar os parcos dinheiros que cá vem injectando, sufragando as nações africanas em vias de desenvolvimento no matope onde já vem chafurdando: serviços anual da dívida externa (50 milhões de dólares americanos) que se paga aos ricos que lhe vem apertando o cerco à cintura exposta às mazelas do ajustamento económico. No caso particular de Moçambique que se saim de recente de uma guerra de 16 anos, num prejuízo estimado em 17 mil milhões de dólares americanos, a medida resultará em efeitos dramáticos, pois a sua indústria açucareira é a que mais oferece emprego aos operários, sendo a fonte de sobrevivência de perto de 150 mil famílias.
Como diz o velho rifão, poucos são os casos de ricos que querem ver os pobres respirar, ganhar certo alento, libertar-se da escravatura, principalmente quando o explora. É o que acontece neste período contemporâneo, neste período em que imperando a lei do mais forte os pobres e os ricos jogam ao “gato e rato”. Os ricos vão jogando inteligentemente fórmulas e tabelas para fazer perdurar a dependência daqueles a que eles mantêm como seus reféns. De cada ajuda que o pobre recebe do rico está debitada a triste sina, que o tornará submisso, pagando em contrapartida, doses de suores esforçados. Sem complacência às futuras gerações.
Eis infelizmente o modelo de dominação que os ricos definiram para os pobres, simulando subvenções que são como a carícia nas profundas feridas dos povos subdesenvolvidos, quando a sua perspectiva a seguir às carícias é desferir novos “socos no estômago”, às débeis economias do Terceiro Mundo, que lhe estende a mão em sinónimo de pedido. O muito que o Terceiro Mundo vem acalentando a crença de que a chave dos seus enormes problemas está nas nações ricas. A 5 de Fevereiro transacto o ministro das finanças do Reino Unido Gordon Brown, avançou um ambicioso Plano Marshal que tende a desafogar as economias das nações pobres, à semelhança do que aconteceu após a 2ª Grande Guerra Mundial na Europa. Um plano que consistia em atribuir um fundo de 100 mil milhões de dólares/ano para investimentos em infra-estruturas, o que iria aliviar o sofrimento de centenas de milhar de aflitos espalhados pelo mundo, ajuntado-se que o programa incluía igualmente o cancelamento de 50 milhões de dólares americanos que os Países Pobres Altamente Endividados(HIPC, na sigla em inglês) pagam em serviço da dívida externa. Só para citar um exemplo, a África Subsahariana deve 70 mil milhões de dólares a instituições multiraterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Foi uma proposta que caiu em saco roto. Em Abril passado, o FMI e BIRD, cúmplices em certa medida dos insucessos de ajustamentos macro-económicos, recomendou aos ricos para desenvolverem acções urgentes tendentes a reduzir a pobreza até 2015 em África.
Mais uma vez as perspectivas do FMI e BIRD, reflectidas na hipocrisia, não deixam de reflectir o pensamento pobre dos ricos, ferindo os corações dos aflitos. Se não vejamos: Internamente, o Presidente da República, Armando Guebuza, tem se referido amiúde, em palestras e comícios, ao combate à pobreza absoluta, e tomando em consideração a decorrente situação, está-se mesmo num “beco sem saída”. Próprio de quem criou a doença e sabe onde se esconde o antídoto é provável que os ricos estejam a rir-se do presidente que quer combater a pobreza, quando os 46 biliões de contos que comportam o OGE, isto é, 45 por cento (entre 500 e 600 milhões de dólares), provém dos países que os pisam, e maltratam. Sim, a saída para a África está nas promessas que eles fizeram em termos de ajuda, comércio e redução da dívida externa. Mas em vez de avançarem para a porta da saída de como usar as reservas de ouro do FMI para financiar o perdão da dívida eles (os ricos) recuam cobardemente.
Na verdade, o que de mais os ricos tem feito para os subdesenvolvidos é colonizá-los mantendo o comércio injusto, e tanto à maneira hipnótica, manietando-nos, recomendando-lhes antídotos que, no lugar de imunizá-los no combate contra o mal, visa torná-los cada vez mais seus dependentes. Voltando para o caso particular de Moçambique, a reforma do sector do cajú ditadas pelas instituições da Bretton Woods levaram milhares de moçambicanos ao desemprego, afastando o país do ranking dos maiores produtores mundiais daquela amêndoa.
As imposições daqueles financiadores económicos mergulharam o País numa crise de que não há memória (a partir de 1987, com o PRE, o índice da pobreza absoluta passou de 15 por cento para 79 por cento -até 2004).
No meio de uma dívida externa de 3.5 mil milhões de dólares americanos, Moçambique tem se esforçado para reerguer a sua economia afectada por 16 anos de guerra fratricida. Assim, a marca visível do tal esforço, está patente na recuperação do sector do açúcar, que beneficiou de investimento na ordem de 350 milhões de dólares americanos, empregando uma mão-de-obra de 23 mil trabalhadores efectivos, entre quatro a 5 mil sazonais. Ao abrigo de um acordo com a ACP, anualmente o País vende, a preço três vezes superior ao praticado noutros mercados, 30 mil toneladas de açúcar à UE e 13 mil toneladas a EUA. Como reduzir a pobreza absoluta até 2015, se os países desenvolvidos tencionam perpetuar a pobreza de milhares de pessoas? Todas as semanas, só em África, 200 mil crianças com menos de cinco anos morrem por doença, dez mil mulheres morrem no parto. Só na África Subsahariana vão morrer este ano dois milhões de pessoas vítimas da SIDA. Em todo o mundo mais de 100 milhões de crianças não estudam.
Com este andar de coisas não há tanto que acreditar nas promessas dos ricos, pois com os “socos”, entenda-se golpes baixos, que habitualmente desferem contra os pobres a sua credibilidade está afectada. O que é de lamentavelmente os “golpes baixos” dos Países Ricos ensombram ainda mais a esperança sobre a vitória do subdesenvolvimento, de que o mundo pobre vem esperando há 50 anos, sendo que os factores à vista são as guerras e o ciclo da miséria crónica.
O Terceiro Mundo não se contenta com estatísticas optimistas, ademais enquanto propaga que o crescimento económico em 12 países africanos em vias de desenvolvimento ronda em 5.5 por cento, no que é uma realidade os investimento andam em queda livre, pois as multinacionais tem as atenções centradas para a Ásia. No caso concreto de Moçambique, a verdade é que desde 2001 a economia tem passado por período de depressão derivado dos limites impostas pelas quotas de açúcar pela UE, e a marca visível é que muitos investidores já têm as atenções centradas para Angola e outros pontos de África. Isto é o prenúncio de mais uma catástrofe. Há que juntarmos vozes. O mal não pode continuar no nosso tempo, pois a luta contra a pobreza absoluta, citando Nelson Mandela, não difere em nada a do contra o apartheid!
Nota de rodapé: se o Governo está interessado realmente em combater a pobreza absoluta não pode continuar a assistir impávido e sereno que a Coca-cola e a Cerveja de Moçambique comprem açúcar noutros mercados. SP
IMPARCIAL – 26.05.2005