Custódio Duma*
Tenho vivido os meus dias atormentado por uma voz que me impele a luta. Ameaçado por um sentimento que me desafia a entrega e importunado pela minha essência humana. Acredito no tempo e na possibilidade de um dia poder dar uma resposta minimante satisfatória àqueles sentimentos que me roubam a paz e o descanso.
Não me culpo por ser humano nem me chateio por não ser deus, mas me preocupa a desigualdade existente entre os homens assim como a degradação do conceito da pessoa humana, do conceito de família e a generalização da hipocrisia dominante vivendo com ela como se de virtude se tratasse.
O homem tem conseguido chegar a lugares que há poucos anos atrás não sonhara em atingir, contudo, quanto mais cresce a sua possibilidade de dominar a ciência e a tecnologia, mais se esquece de si como homem perdendo desta forma a mais bela graça de ser racional: a convivência pacífica e harmônica com todos seus semelhantes.
O homem tem conseguido construir em torno de si mesmo, as maiores maravilhas de todos os tempos, acumulando riquezas e prazeres de todos os tipos, mostrando através deles o seu poder e a sua grandeza, contudo, perdendo ao mesmo tempo a noção de solidariedade e de cuidado pela vida que é pra todos um dom natural.
O homem tem construído em volta de si, uma grandeza tal que o coloca como o dono do próprio mundo, senhor de todas as formas de vida achando-se até dono dos outros seres vivos, dono dos recursos naturais e o único capaz de definir os conceitos e princípios que constituem valores de vida e de existência não só dele, mas da terra e do universo em si.
O homem, esse ser que se acha o único racional em toda existência, tem se mostrado cada vez mais arrogante e convencido em tudo que pensa e faz.
Ao mesmo tempo, tem se mostrado esse homem, um ser cego e insensível ao que ele mesmo é responsável. Penso que o mais provável fim desta historia toda é, o homem destruir-se a si mesmo, acabar com a sua historia e reduzir a possibilidade das outras formas de vida progredirem naturalmente em saúde e harmonia.
Não creio numa possibilidade do próprio homem acabar com o mundo porque como dizia alguém: se os únicos seres pensantes que existissem no universo fossem os homens então seria um grande desperdício de espaço. Tudo que o homem pode fazer será destruir-se a si mesmo e desaparecer, para dar lugar a outros seres capazes de respeitar a vida e o espaço que é o ovo da eternidade.
Creio que o homem é a causa primaria do seu próprio fim. Ele é a causa primária das desigualdades sociais, das guerras, das doenças e da fome que mata no mundo, creio que ele é o único detentor da responsabilidade sobre o desaparecimento de espécies, poluição do ambiente e da degradação da própria vida que vivemos sem noção.
Creio que o homem, é o único causador da degradação de si mesmo, o único degradador do conceito de família e irmandade motivado pelo seu egoísmo cada vez mais crescente.
Creio ser o homem o único responsável pela sua mortalidade, pela debilitação do vigor humano e pelo fim dos seus nascidos, impelido pela sua ambição de ser o primeiro, de ser o maior e de ser o senhor.
São esses sentimentos que me inquietam, que me incitam e me impelem a luta, a revolta e ao desafio.
São esses sentimentos que me levam a buscar um caminho que possa conduzir o homem ao encontro de si mesmo. Sinto que o homem perdeu seu norte.
De que serve ao homem o seu conhecimento afinal? Pra que lhe servem os estudos prolongados, as elaborações inteligentes e os discursos humanitários? Se em nada consegue fazer diferença. Homens continuam matando e morrendo na cara de todos.
Pra que lhe servem as invenções, as buscas e as explorações interplanetárias? Se não consegue respeitar o seu berço natural, não pode melhorar a sua vida nem pode contribuir pra a paz, pra a justiça nem pra o amor. Pra que lhe servem o domínio e o poder? A quem pensa o homem que pode dominar senão a si mesmo, ao seu próprio espírito, conduzindo-se ao opróbrio eterno? A quem pensa o homem obrigar com o seu poder, senão a si mesmo, tornando-se escravo do seu próprio dessucesso? Pra que lhe servem as riquezas se não sabe repartir, se não pode com elas evitar a sua própria degradação?
O homem aprendeu a dividir pra reinar. Redefiniu a natureza das coisas pra se superiorizar e valorizar. Negou-se a si mesmo pra se elevar e se gloriar. O homem desnaturalizou-se e despiu-se do senso eterno pra ser deus e ser o centro das coisas. O homem enganou-se, esqueceu-se e precipitou-se pra ser o melhor. O homem caminha pra o regresso de si mesmo pensando que tem direito pra todas as coisas e contra tudo.
Esse é o sentimento que me obriga a luta. Essa é a dor que me inquieta, é a motivação que revoluciona meu ser e me torna rebelde ao sistema.
Acredito poder contribuir para o bem. Acredito poder contribuir para a vida. Acredito poder contribuir para a igualdade, para a paz, para a justiça e para o amor. Acredito poder contribuir na proteção, na preservação e na valorização da natureza, da vida e das outras formas de vida.
Acredito poder deixar na terra uma semente, que um dia rebentará e produzirá frutos de regresso a origem humana. Uma semente que fará diferença e mostrará que o homem não é o único ser pensante no universo e que a tarefa de definir o destino das varias formas de vida não lhe foi por ninguém incumbida.
Um dia essa semente brotará e mostrará ao ser humano o quanto é belo e único usufruir da igualdade, da harmonia e do ambiente são e puro. Nesse dia o homem descobrirá o quanto são inúteis as riquezas que acumula pra si, descobrirá o quanto é nocivo o poder e a gloria que conquista pra si e de uma vez para todas saberá que os seus muitos estudos e leituras de nada lhe servirão se não forem impregnadas de valores naturais, eternos e humanos. Se não forem coroadas de respeito pela vida e pela natureza.
Essa é a minha chamada pra a luta. Uma luta que começa onde o homem conquistou a arrogância e o desrespeito e se prolonga até onde perdeu a sua imortalidade.
*Jurista