THOMAS SOWELL
Pela maior parte da História dos EUA, as diferenças entre brancos e negros — renda, QI, índices de criminalidade etc. — têm sido atribuídas a raça ou a racismo. Pela maior parte da primeira metade do século XX, essas diferenças foram atribuídas a raça — ou seja, à suposição de que simplesmente não estava nos genes dos negros alcançarem o sucesso dos brancos. A maré começou a virar na segunda metade do século XX, quando tomou forma a suposição de que as diferenças entre negros e brancos se deviam ao racismo dos brancos.
Três décadas de pesquisas próprias me levaram a acreditar que nenhuma dessas explicações resistiria à análise dos fatos. Como exemplo, um estudo publicado ano passado indicava que alunos negros de Harvard provinham, em sua maioria, do Caribe ou da África, quando não eram filhos de imigrantes caribenhos ou africanos. Essas pessoas são da mesma raça dos negros americanos, que numericamente superam de longe qualquer dos dois grupos ou ambos.
Se essa disparidade não se deve à raça, é igualmente difícil explicá-la pelo racismo. Para um racista, um negro é mais ou menos igual a outro negro. Mas, mesmo que o racista suspendesse o seu racismo, como poderia identificar os estudantes descendentes de pessoas nascidas no Caribe ou na África, especialmente quando se leva em conta que os rebentos nascidos nos EUA nem sequer têm sotaque estrangeiro?
O que poderia explicar tão grandes disparidades de “representação” demográfica entre esses três grupos de negros? Talvez eles tenham diferentes padrões de comportamento e diferentes culturas e valores.
Sempre houve grandes disparidades, mesmo dentro da população negra nascida nos EUA. Os negros cujos ancestrais eram “pessoas de cor livres” em 1850 têm sido muito mais bem-sucedidos em termos de renda, ocupação e estabilidade familiar do que os negros cujos ancestrais foram libertados na década seguinte por Abraão Lincoln.
O que não é nem de longe tão divulgado é que sempre houve imensas disparidades dentro da população branca no Sul antes da guerra civil e da população branca nos estados do Norte. Embora os brancos sulistas fossem apenas um terço da população branca dos EUA, a maioria absoluta de analfabetos brancos do país estava no Sul.
O Norte tinha quatro vezes mais escolas do que o Sul, freqüentadas por um número de estudantes mais de quatro vezes maior. As crianças de Massachusetts tinham mais de duas vezes mais anos de escola do que as da Virgínia. Essas disparidades obviamente produzem outras disparidades. A circulação dos jornais nortistas era mais de quatro vezes maior do que a dos jornais sulistas. Só 8% das patentes concedidas em 1851 pertenciam a sulistas. Embora a agricultura fosse a principal atividade econômica do Sul antes da guerra, a ampla maioria das patentes de invenções agrícolas foi concedida para inventores nortistas. Até o descaroçador de algodão foi inventado por um nortista.
Disparidades entre brancos sulistas e nortistas passaram para outros setores, de índices de violência a índices de ilegitimidade. Escritores americanos sulistas e nortistas de antes da guerra comentaram as grandes diferenças entre os brancos das duas regiões. Foi também o que fez o visitante francês Alexis de Tocqueville.
Nenhuma dessas disparidades pode ser atribuída a raça ou a racismo. Muitos observadores contemporâneos atribuíram essas diferenças à existência de escravidão no Sul, assim como muitos posteriormente atribuiriam à escravidão a diferença entre brancos nortistas e sulistas, e entre brancos e negros em nível nacional. Mas a escravidão não resiste ao escrutínio dos fatos históricos, mais do que raça e racismo, como explicação para as diferenças entre o Norte e o Sul, ou entre negros e brancos. Os colonos do Sul vieram de regiões da Grã-Bretanha diferentes das de onde vieram os colonos do Norte — e eram tão diferentes entre si do outro lado do Atlântico como do lado de cá — ou seja, muito antes de terem visto um escravo negro.
A escravidão também não pode explicar a diferença entre negros americanos e negros caribenhos que vivem nos Estados Unidos, pois os ancestrais de ambos os grupos foram escravizados. Quando raça, racismo e escravidão são reprovados no teste empírico, o que resta?
Resta a cultura.
A cultura dos chamados rednecks (trabalhadores rurais brancos) e crackers (brancos pobres), bem antes de eles entrarem em navios para cruzar o Atlântico, produzia níveis muito mais baixos de conquistas intelectuais e econômicas, assim como níveis muito mais altos de violência e promiscuidade sexual. Essa cultura tinha sua própria maneira de falar, não apenas no que tange à pronúncia de certas palavras mas também ao estilo barulhento e dramático de oratória, com imagens vívidas e frases e cadências repetidas.
Esse estilo, embora surgido do outro lado do Atlântico séculos atrás, ficou sendo, por gerações, o estilo da oratória religiosa e dos discursos políticos de brancos nortistas e negros sulistas — não apenas no Sul mas nos guetos do Norte nos quais negros sulistas se estabeleceram. Foi o estilo usado pelos políticos brancos sulistas na época de Jim Crow e posteriormente por líderes negros da campanha de direitos civis que combatiam Jim Crow. O famoso discurso de Martin Luther King no Memorial de Lincoln em 1963 é exemplo clássico desse estilo.
Enquanto um terço da população branca dos EUA vivia na esfera da cultura redneck , na população negra a percentagem era de mais de 90%. Essa cultura, embora tenha se desfigurado com o passar das gerações, o fez em velocidades diferentes entre pessoas diferentes. Desfigurou-se muito mais depressa na Grã-Bretanha do que nos EUA e um tanto mais rápido entre os brancos sulistas do que entre os negros sulistas, que tinham menos acesso à educação ou às recompensas obtidas ao deixarem de lado essa cultura contraproducente.
Apesar disso, o processo teve longa duração. Ainda na I Guerra soldados brancos de Geórgia, Arkansas, Kentucky e Mississippi obtinham resultados mais baixos em testes intelectuais do que soldados negros de Ohio, Illinois, Nova York e Pensilvânia. Neste caso também raça e racismo não servem de explicação, e nem a escravidão.
A cultura redneck se tornou grande desvantagem tanto para os brancos como para os negros que a absorveram. Hoje, os últimos remanescentes dessa cultura podem ser localizados nos piores guetos negros, seja no Norte ou no Sul, pois os guetos do Norte foram estabelecidos pelos negros do Sul. A cultura contraproducente e autodestrutiva dos negros redneck nos guetos de hoje é vista por muitos como a única cultura negra “autêntica” — e, por essa razão, algo em que não se deve tocar. Sua fala, suas atitudes, e seu comportamento são considerados sacrossantos.
As pessoas que adotam esse ponto de vista talvez se acreditem amigas dos negros. Mas são desses amigos que fazem mais mal do que os inimigos.
THOMAS SOWELL é professor do Instituto Hoover, dos Estados Unidos. Este artigo foi originalmente publicado por "The Wall Street Journal".
Nota: Retirado de AVM