Apenas nos murais mais antigos de Maputo se encontram vestígios do regime socialista
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Um dia, quando o actual Presidente zimbabueano, Robert Mugabe, estava ainda refugiado em Moçambique, Samora Machel convidou-o para uma reunião do seu primeiro Executivo. «Estás a ver? Brancos, pretos, mulatos... Sabes o que é isto?», perguntou o moçambicano. Mugabe respondeu: «É o teu Governo». «Não, isto é a riqueza de Moçambique», contrapôs Samora. Em privado, Mugabe terá ainda ripostado. «Tu tens sorte, os teus brancos são bons». E Samora abanou a cabeça, deu um estalo com a língua e disse: «Tu não aprendeste a lição». Samora morreu antes de saber como a história o iria confirmar.
O líder histórico moçambicano tornou-se um mito, representando tudo por que lutaram os que com ele se «galvanizaram na altura da independência», como Paulo, e depois se desiludiram «com essa nomenclatura do poder que se entrega ao consumo de forma desmedida». Mas este ex-piloto das Linhas Aéreas de Moçambique, actual empresário agrícola, garante que não herdou «a psicose do fado»: «Enquanto nós culparmos o colonialismo, o dólar, as forças estrangeiras pelos nossos males não temos a condição básica do conhecimento, que é aprendermos com os nossos erros».
Avenida 25 de Setembro
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A Citrinos do Umbelúzi chega a produzir laranjas tão grandes que nem sequer se conseguem exportar. Ficam de lado, junto das outras, calibradas de peso e cor, enfileiradas segundo os preceitos da empresa sul-africana que as exportará para os exigentes mercados da Grã-Bretanha, França, África do Sul e alguns países asiáticos. Os empregados seguem com zelo as regras: passam os pés por desinfectante, vestem as batas brancas e as toucas. São gratos às laranjas que voltaram a pagar-lhes os ordenados depois de mais 15 meses sem receber.
«Quando chegámos, nem sorriam», recorda Paulo. E remata com a razão maior do seu orgulho, do orgulho do velho nacionalista: nas caixas, escrito em inglês, vem «Product of Mozambique». A Citrinos do Umbelúzi é um oásis. E um sinal de esperança para quem, como Paulo, sempre acreditou no Moçambique que pode voltar a funcionar.
Reportagem de Catarina Carvalho (textos) e Jorge Simão (fotografias), enviados a Moçambique
semanário expresso - 09.06.2005