O país dos sons da marrabenta parece um lugar onde o futuro ficou parado, à espera. E agora todos os moçambicanos apressam o passo para voltar a reencontrar esse destino
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Miguel, filho de portugueses chegados de Chaves nos anos 40, alistou-se na Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) e ficou a ajudar a aguentar o barco. «Aos 19 anos fui director de uma escola na cidade da Beira». Achou que havia lugar para um branco em África. Num país independente, fora da lógica colonial. E não se arrepende: «Tive a dor de perder muita gente. Até a minha namorada partiu, com os pais. Tenho a recompensa de ter ajudado a construir este país».
Roberto, com todas as raízes em Moçambique, emigrou, logo em 1976, para a Suazilândia, e daí para o Cacém, nos subúrbios de Lisboa. Ficar pareceu-lhe impossível, pouco importava a cor da sua pele. «Eu só tinha uma pátria, era português», diz. Esteve mais de 20 anos fora, regressou a Moçambique no final dos anos 90, já a paz estava consolidada no país governado pelo suave Joaquim Chissano. Voltou a encantar-se com o vento morno do Índico, os camarões rijos da Costa do Sol e o bambolear da marrabenta. Aceitou um convite para ser chefe de vendas da Fábrica de Cerveja de Moçambique. E ficou.
Agora Roberto e Miguel vivem ambos em Maputo. Já não são os mesmos que a independência conheceu adolescentes. Têm a marca da história de Moçambique nas suas vidas. O negro costuma dizer que o que ficou «esteve enfiado numa lata de sardinhas», enquanto ele viu o «mundo lá fora». O branco encolhe os ombros e provoca: «Eu não sou português».
Mas agora os tempos estão mais para olhar para a frente do que para trás. Os dois amigos continuam a beber a mesma cerveja, a mítica Laurentina, quando saem à noite para dançar ou experimentar os novos restaurantes que têm aberto na cidade. Roberto voltou a cantar, no bar Sinatra, na baixa de Maputo. Por graça, não com a seriedade do seu conjunto, os Night’Stars, estrelas das «soirées» do Hotel Cardoso e do Hotel Girassol, nos anos 60. Ele anda a tentar reconstituir a banda, com músicos da época. Está a reeditar o futuro que teria se não tivesse acontecido tudo o que aconteceu.
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![]() A crescer 9% ao ano, este país é cada vez mais uma terra de grandes contrastes
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Em Maputo, parece que o futuro ficou parado, à espera. E agora vive-se um apressar do passo, para reencontrar esse destino. Esta é cada vez mais uma terra de contrastes, típica de um país «em vias de desenvolvimento». Envolvida nos subúrbios de «caniço» - bairros de barracas onde ainda se vive o cliché africano dos que vieram procurar refúgio da guerra e ficaram, contribuindo para a sua própria pobreza -, a cidade tem agora vários bairros de vivendas milionárias. Aos bazares juntou-se o moderno Centro Comercial Polana, com roupa importada e escadas rolantes. Há mais carros particulares - embora em segunda mão, importados do Japão através da África do Sul - disputando as ruas com os táxis colectivos, os «chapas», formando já filas de trânsito. E abriram dois hipermercados sul-africanos, sucursais daqueles a que os moçambicanos mais abastados costumavam ir abastecer-se na vizinha Nelspruit.
No mês passado, o novo presidente da Câmara, o impoluto dirigente da Frelimo Eneias Comiche, decidiu acabar com os ambulantes que vendem de tudo pelas esquinas - ideia estranha num lugar em que dois terços da população sobrevive da economia paralela. As vendedeiras de capulana colorida queixam-se dos excessos de zelo dos polícias. O executivo defende-se: «Os passeios foram feitos para a circulação do peão». Calçada é uma força de expressão, em Maputo, mas a atitude diz muito sobre a vontade dos políticos de dar a imagem de um país avançando.
O ministro dos Transportes, Tomás Salomão, ex-governador da Beira, exonerou recentemente os directores do Instituto das Estradas, por causa da polémica compra de carros novos, e o ministro da Saúde tem visitado, sob disfarce, os hospitais das principais cidades. Todos os políticos parecem querer mostrar serviço a cumprir o «slogan» ditado pelo novo Presidente da República, Ernesto Guebuza, eleito no final do ano passado: «Acabar com o deixa-andar».
SEMANÁRIO EXPRESSO - 09.06.2005