Uma vitória, em África, que Baxter atribui a uma «boa política macroeconómica», mas que tem raízes na abertura ao exterior que a Frelimo operou logo em 1989, apagando a designação «marxista-leninista» do seu programa. E, obviamente, nos milagres operados pela paz, assinada entre a Renamo e a Frelimo, logo em 1992.
Lucas Armando lembra-se bem desse dia. Como não havia de lembrar-se depois de passar 15 anos sempre de metralhadora vigilante aos ombros, até na cama. Este ex-combatente da Frelimo, velho para os seus 54 anos, seco, é a imagem da dureza. Mas tem os olhos vazios. A ele, o tempo que passou desde o fim da guerra não soube a progresso.
Vive na mesma aldeia - agora chamada dos ex-combatentes -, na mesma casa de duas assoalhadas, fogão na sala, terra batida, sem esgotos ou água canalizada. Os únicos melhoramentos foram introduzidos este ano: chegou a luz eléctrica, para quem pode pagá-la. Com o ordenado que ganha a cuidar de uma horta, uma machamba, como se diz por aqui, do seu patrão branco Miguel, conseguiu forrar de cimento as paredes que eram de adobe, como continua a ser na maior parte da aldeia.
O país e o partido parecem nem querer lembrar-se dos que tinham combatido nessa guerra que era para esquecer. Os ex-combatentes continuam a reunir-se para exigir pensões de reforma, casas novas, acesso a cuidados de saúde. Mas, com a honra de soldados, não pagaram na mesma moeda ao partido por que lutaram: ainda hoje, todos os dias ao raiar do sol, a bandeira da Frelimo é hasteada na aldeia. «Foram estas aldeias que defenderam Maputo», conta Miguel. «Não sei se valeu a pena», responde o ex-soldado, olhos pregados no chão.
![]() |
![]() Marginal de Maputo
|
A caminho da Namaacha, onde vai reconstruir um Centro de Formação de Professores, o agora arquitecto Miguel Santos recorda-se de ter percorrido estas estradas na semana a seguir à assinatura dos acordos de paz, em 1992. «Havia jipes incendiados abandonados, minas, o alcatrão era só buracos...» O alcatrão agora está lisinho, nesta estrada importante que liga Maputo à fronteira com a Suazilândia. Mas há coisas que não mudaram: na Namaacha é o mesmo hospital dos anos 70, e quase nas mesmas condições, que serve a população.
A maior dificuldade no hospital da Namaacha são os doentes de sida. «É um desastre do qual ainda nem conseguimos ver o fim», diz Ellen Blondé, médica belga ao serviço dos Médicos do Mundo. No país, a prevalência do VIH está nos 13%, mas naquela zona de fronteira chega aos 18, 20%. E atinge sobretudo as mulheres. «Elas não têm direitos», afirma Ellen. A pobreza e a guerra também acentuaram as distâncias, atirando estas terras para situações em que as mulheres têm de dar-se a todos os homens que as queiram.
Por mais que haja centros de despistagem voluntária, campanhas para o uso do preservativo, lacinhos vermelhos desenhados em todas as árvores da cidade, panfletos que dizem que «as mulheres têm direito a negociar quando e como querem ter relações sexuais, a amar, sonhar e fantasiar», o problema, resume-o em palavras simples e duras a médica belga: «Não temos anti-retrovirais para lhes dar. E elas morrem».
SEMANÁRIO EXPRESSO - 09.06.2005