Chamo-me AMBRÚS e sou o candidato apoiado pelo PARTIDO DOS CORRUPTOS, do qual sou presidente e fundador. Tenho um currículo invejável, se não vejamos:
-sou muito famoso no meu Bairro, por ter sido, quando era ainda miúdo, durante muitos anos consecutivos, o campeão de “tchócoti cucu di cadjú” e por ser o rapaz mais bem vestido da zona, graças às minhas incursões semanais ao “Fuca Ndjai”. Eu era muito “bazofu”, ainda me lembro bem, e as “badjudas” não me largavam. Todas as tardes ia passear à Praça do Império, mas antes disso perfumava-me com “padja di miskitu” e saía por aí afugentando os temíveis animalzinhos. As “badjudas” se aproximavam de mim não só por causa do meu charme, mas também porque ao estarem perto ficavam fora do alcance dos mosquitos.
Quando me lembro dessa época até me caem as lágrimas dos olhos – bons velhos tempos, é bom que se diga.
Ah! Já me ia esquecendo:
-também me lembro das vezes que ia a discoteca com as minhas “damas”, era um bom dançarino, e saía de lá sempre a cheirar catinga. Era só nessas noites que os mosquitos se aproveitavam e faziam de mim o seu “puti di mel” - chupavam-me todo - muitas das vezes chegava a casa praticamente só em pele e osso.
No ano de 1998, durante a Guerra que houve nessa altura, fui considerado o campeão do salto em trampolim, graças aos mergulhos que dava nas valas do Programa de Melhoramento dos Bairros de Bissau, sempre que se ouvia o som de uma bomba a sobrevoar os céus da capital.
Mas hoje já sou um homem feito e o passado ficou só como recordação. Ganhei uma bolsa de estudo há 7 anos atrás, depois de ter entregue todo o meu dinheiro, que tinha ganho a trabalhar como Professor de um Liceu de Bissau, a um Senhor que se dizia influente no meio político. Aliás, foi a partir dessa altura que comecei a ganhar o gosto pela política. Foi assim que pude realizar a minha licenciatura em “Ministro” e depois o Mestrado em “Presidente da República”.
Voltei em meados do ano passado e dei conta que o meu país estava de cócoras e, aproveitando as eleições que se avizinham, resolvi fundar o PARTIDO DOS CORRUPTOS e apresentar a minha candidatura à Presidente da República, para ajudar o país a sair da situação em que se encontra.
DIÁRIO DA CAMPANHA
No primeiro dia da campanha estava tão confiante que até disse para mim mesmo:
-se a confiança matasse já estaria morto, enterrado e ressuscitado há muito tempo!
Nesse dia usei um “fundinhu” e levei comigo um “nhanheru” e um tambor para fazer soar as minhas aspirações. Decidi arrancar a minha campanha no Gabú, como forma de prestar homenagem àquela região que viu nascer a nossa independência.
Quando comecei a discursar, houve uma multidão que se abeirou de mim, curiosa para escutar o que eu tinha para dizer, mas a 100 metros do local onde me encontrava estava um outro candidato a fazer o seu comício. Era um político já com uma carreira bem longa, que vinha desde a época em que a democracia na Guiné era só uma utopia. Já fora presidente e agora aspirava voltar a sê-lo.
Ao meio do meu comício, de repente, ouviu-se a voz dele gritar bem alto, dizendo que oferecia um televisor a quem votasse nele. Num ápice fui atropelado e espezinhado pela multidão, que há uns segundos atrás me escutava, desesperada para conseguir chegar-se perto do outro candidato, que tinha acabado de fazer uma promessa bastante aliciante. Desmaiei e só acordei duas horas depois. Sentei-me no chão e olhei a minha volta, foi então que pude perceber que estava sozinho e abandonado. Pus-me de pé com muita dificuldade e agarrei no meu tambor e no “nhanheru”, escondendo-os de seguida por baixo do meu “fundinhu”, com muita vergonha. Saí dali cambaleando e contorcendo-se de dores ao mesmo tempo. Tive a sensação de ter acabado de ressuscitar, depois de morto pelos meus ex-simpatizantes, tal como havia dito para mim próprio.
No segundo dia da campanha, acordei a pensar no que me tinha sucedido no dia anterior e cheguei a conclusão que aquilo que se passou comigo foi só um incidente casual. Não era homem para desistir tão cedo, foi assim que os meus pais me educaram, e encarei o sucedido como se fosse um teste de Deus à minha capacidade de resistência.
Nesse dia, decidi contactar uns amigos meus de infância, residentes em Cantchungo, na esperança de poder fazer um comício naquela cidade, que era conhecida como centro do chão dos Manjacos e região de grandes silvicultores.
Quando cheguei a Cantchungo, os meus amigos receberam-me com pompas e circunstâncias e manifestaram toda a sua confiança em mim.
Chegou a hora do discurso e foi então que precisei encher os pulmões de ar para dizer na minha língua materna, que já tinha desaprendido bastante, o seguinte:
ó votaré na mi! Si ganharé eleiçon, ó cumpuré escolas, ó cumpuré hospitalis, ó cumpraré librus, ó cabaré cu mortundadi, ó apostaré na corupsón...
Ainda o meu discurso nem tinha ganho alento, começaram a chover pedras em cima do meu palanque. Tive que sair dali a fugir, nem tive tempo sequer para pedir desculpas. Os Manjacos, meus irmãos, começaram a insultar-me, dizendo que aquela língua em que me estava a expressar não era reconhecida por eles, constituindo então uma afronta à sua cultura.
No terceiro dia da campanha, resolvi partir para o Sul, ao encontro dos exímios agricultores Balantas. Enfiei o meu barrete vermelho na cabeça, para que eles me reconhecessem como um deles, e parti à caça dos seus votos.
Nesse dia as coisas pareciam estar a correr às mil maravilhas, em duas horas de comício apenas já tinha ganho muitos simpatizantes e havia até um grupo que cantava e dançava “broska”, parando de vez em quando para gritar:
-viva Ambrús!
Perante tal cenário, fiquei todo “bazofu” - quem não ficaria? - comecei a movimentar o corpo de um jeito estranho, parecido com o dos sapos e estava constantemente a mostrar os dentes e a agradecer ao "meu povo" dizendo:
Ambrús agradece! Obrigado! Obrigado!...
Decorridos alguns minutos começou-se a ouvir, cada vez mais alto, um barulho, que parecia mais uma algazarra de pessoas a aproximarem-se, e mais tarde percebi que se tratava, de facto, de um outro candidato que vinha sendo acompanhado pelos seus apoiantes, num cortejo que os levaria ao centro da vila, que ficava próximo. Quando chegaram perto, o barulho tornou-se bastante ensurdecedor, a ponto de abafar os “vivas Ambrús” dos meus simpatizantes.
Passado algum tempo depois já só se ouvia os apoiantes do outro candidato, que vim a saber que era um experiente N’ayé, que em tempos ganhava todos os “canta-pós” da zona. Ao passar por mim pude verificar que usava um barrete da cor vermelha idêntico ao meu. Saudou-me, a mim, e aos meus candidatos com um aceno de mão sarcástico, que para mim não passou disso, mas que para os meus apoiantes até aquela altura parece ter sido um chamamento, uma vez que depois do gesto consumado começaram a abandonar-me para seguir o seu cortejo.
Em dois tempos fiquei sem apoiantes e ao dar conta disso resolvi me misturar com os apoiantes do meu adversário, para não ter que acabar mais um dia de campanha sozinho. Fiz dois buracos no barrete e puxei-o para baixo, para me cobrir a cara toda, deixando só os olhos à mostra, e comecei a gritar muitos vivas ao meu adversário, contrariado é claro, para passar despercebido no meio da sua gente.
Mas o disfarce não foi suficientemente bom, percebi isso quando ouvi o meu adversário gritar:
-nhú Mangaflanu, nhu sai li omê!
E depois veio o apupo dos seus apoiantes, à maneira guineense:
uuuuuuuuuuuuu!
Saí dali cabisbaixo e emudecido.
No quarto dia de campanha, decidi não voltar a fazer comício, depois da decepção que tive nos dias anteriores. Tinha ficado convencido que não valia a pena tanto sacrifício para acabar sempre sozinho. Decidi evitar o confronto directo e partir para outras formas de luta.
Sozinho, comecei a distribuir panfletos, com a minha fotografia, dizendo:
-a única alternativa para a mudança é o Ambrús!
Foi assim a partir desse dia até hoje e vai continuar a ser até o último da campanha.
E tu, votas em mim? É só pôr uma cruz a frente do meu litrato, não custa nada. Se fizeres isso vou-te nomear como meu conselheiro.
Futuramente, para qualquer esclarecimento, podem me contactar pelo seguinte endereço:
Rua nundé qui djintis ta pássa nel pa bai Fera di Cundók. Porta cu ca tené número, má qui téne un cacu di cabra prindadu na un pó. Nha cassa i di padja, i robocadu cu cocó di cabra, lá dentru únicu electrodomésticu qui ntené i un tanqui di cadju. Si bó pirdi, bó ta punta son pa AMBRÚS, é na conta bós nundé qui n’mora nel, pabia ami nfamosu na zona. Númeru di Caixa Postal nca lembra del, má parci i zeru. N’na spera cuma bó ca na disquissin.
Nbon gossi na dizejá nha cabessa bom sorti! Ntené speransa cuma n’na ganha!
VIVA AMBRÚS!!!
Retirado do site GUIGUIS, da Guiné-Bissau – 13.06.2005