MARCELO HENRIQUES DE BRITO* Hoje é o Dia de Portugal, Dia de Camões e das Comunidades Portuguesas, ocasião propícia para refletir sobre o legado português. Ao longo da história, os portugueses demonstraram uma enorme determinação, capacidade e habilidade para "fazer mais com menos" ao administrar desde grandes e longínquos territórios (como colônias) até negócios pequenos e próximos de residências (como padarias). Vários portugueses comerciantes apresentaram uma louvável disposição para iniciar e desenvolver negócios com êxito. Para tal, enfrentavam longas jornadas de trabalho, sem esmorecer e com muita organização. Este estilo de gestão era também adotado por suas esposas que, com arte, planejamento e dedicação amorosa, preparavam receitas deliciosas, costuravam roupas bonitas e educavam seus descendentes para serem pessoas "d"honra e vergonha" bem-sucedidas. Luís de Camões cantou o perfil desse povo que tivera coragem para vencer o medo do descon! hecido e desenvolvera navios e técnicas de navegação na Escola de Sagres, constituindo um brilhante exemplo de gestão da inovação com objetivo empresarial. Enquanto realizava comércio lucrativo, buscava novos mercados e ampliava fontes de matérias-primas, a reduzida população defendia a integridade da pequena terra na Europa e valorizava a vida bucólica, o que também fez Eça de Queiroz em "A Cidade e as Serras". Ao conciliarem a centralização com a descentralização (quando se decide com agilidade e escassez de recursos), os portugueses conseguiram, durante séculos, gerir grandes áreas no mundo, miscigenando-se em geral com a população local na solução de problemas. É exemplar a união de escravos e índios aos portugueses e luso-descendentes para expulsar os holandeses de Pernambuco em 1648 na vitoriosa Batalha dos Guararapes, que lançou as bases do ideal de ser brasileiro.
Habilidade portuguesa
Em 1808, o estadista D.João VI, antecipando-se ao Commonwealth (que até hoje une ao Reino Unido países como Canadá e Austrália), concebeu uma estratégia de preservação da integridade de territórios sob influência portuguesa, a qual impediu o desmembramento do Brasil, na contramão do ocorrido na América Espanhola. Sua vinda ao Brasil transformou o Rio de Janeiro de forma memorável, como registrei no livro "Crise e Prosperidade Comercial, Financeira e Política". O reconhecimento em 1825 da independência do Brasil revelou a habilidade portuguesa para negociar situações difíceis. *Administrador, engenheiro, diretor da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) e sócio da Probatus
Por saber negociar, Portugal mediou entre 1864 e 1865 o restabelecimento das relações entre o Império brasileiro e a Inglaterra, após o Governo brasileiro ter cortado relações em 1863, devido a um infeliz incidente diplomático em 1861 (Caso Christie). Foi ainda mais importante a ação incisiva de Portugal para fazer os ingleses reconhecerem, em 1896, a soberania brasileira sobre a Ilha da Trindade na costa do Espírito Santo, que os ingleses haviam ocupado em 1895.
Felizmente, o Brasil não tem hoje uma tensão diplomática similar àquela em torno das Ilhas Malvinas. É preciso reconhecer a contribuição generosa do Governo português, lembrando que o Brasil rompera relações diplomáticas com Portugal entre 1894 e 1895, devido ao fato de a Marinha portuguesa ter acolhido protagonistas da Revolta da Armada, embora a Monarquia portuguesa houvesse reconhecido a República brasileira, dias após a primeira eleição republicana em setembro de 1890.
Apesar da neutralidade na Segunda Guerra Mundial, Portugal aceitou em 1942 o encargo de representar o Brasil perante os Países do Eixo, no caso de rompimento de relações diplomáticas. Continuando a tradição de evitar rupturas com conseqüências nefastas, um regime ditatorial e colonialista foi encerrado com profícuas negociações na chamada Revolução dos Cravos de 1974, a qual pode te! r influenciado a transi ção política na Espanha e a abertura democráti ca no Brasil n! a década de 70.
Surge a reflexão: a inata capacidade brasileira para gerir conflitos teria raízes lusitanas?
Finalizando, saltam aos olhos os laços de amizade, cooperação e consulta viabilizados pela escrita e fala da língua portuguesa. O belo idioma fortalece o entendimento e o afeto entre inúmeras pessoas dispersas pelo mundo. Por compartilhar esse idioma, "taí", a portuguesa Carmen Miranda fez tudo para o mundo gostar dos brasileiros! E os brasileiros têm motivos para cultivar relacionamentos sólidos com a Comunidade Portuguesa, com a qual devem ser desenvolvidas relações políticas e econômicas de forma a zelar por uma identidade, pois como já exprimiu Fernando Pessoa: "Minha pátria é minha língua".