Jeffrey Sachs*, escreve no EXPRESSO Online
A via que permitirá que África saia da extrema pobreza em que se encontra foi agora traçada. Diversos estudos recentes, incluindo os da Nova Parceria para o Desenvolvimento de África, o Relatório do Projecto do Milénio das Nações Unidas e a Comissão para África do primeiro-ministro Tony Blair, apontaram na mesma direcção.
África necessita de mais investimentos para sair da fome endémica, a doença e a pobreza. Estes investimentos necessitam de ser financiados em parte por uma maior ajuda dos países ricos do mundo. A Europa juntou-se-lhes. Agora o destino de África está nas mãos de uma recalcitrante Casa Branca.
As prioridades dos investimentos em África envolvem quatro áreas principais: saúde, educação, agricultura e infra-estruturas.
As carências na área da saúde são urgentes e óbvias. A África precisa de combater a sida, a malária e outras doenças assassinas. A África requer investimentos em clínicas, trabalhadores da saúde pública, medicamentos e medidas preventivas como redes mosquiteiros anti-malária.
A educação também é primordial. Dezenas de milhões de crianças não terminam a escolaridade. Há também poucos professores, salas de aulas e material escolar, as crianças são mantidas em casa pelos pais para executarem tarefas agrícolas.
A agricultura africana é lamentavelmente improdutiva, porque aos agricultores falta a informação básica da agricultura moderna, especialmente a irrigação em pequena escala, sementes melhoradas e fertilizantes.
E finalmente, as infra-estruturas africanas são notoriamente insuficientes, com a falta de electrificação rural, água potável, saneamento, estradas e telecomunicações.
Todas estas quatros áreas de crise podem ser resolvidas. Os investimentos necessários são conhecidos e simples. O principal problema é que os países africanos não podem pagar estes investimentos por si próprios.
Uma maior assistência oficial ao desenvolvimento por parte dos países ricos é crucial, e foi há muito tempo prometido, mas não distribuído.
A Comissão para África de Tony Blair apelou para uma duplicação da ajuda, dos actuais 25 mil milhões de dólares para cerca de 50 mil milhões por ano até 2010, e para uma triplicação da ajuda para 75 mil milhões por ano até 2015. Outros estudos chegaram a uma escala de grandeza similar sobre as necessidades de assistência.
Estas necessidades financeiras não são muito difíceis de satisfazer pelos países ricos do mundo. Como o produto interno bruto dos países doadores de grandes rendimentos anda agora à volta de 30 milhões de milhões por ano, os actuais 25 mil milhões de ajuda representam apenas 8 cêntimos por 100 dólares do PIB desses países. Até 2010 a ajuda necessária terá de aumentar para cerca de 16 cêntimos por 100 dólares e até 2015 cerca de 22 cêntimos por 100 dólares. De um modo geral, as carências de África são urgentes - de facto são questões de vida ou de morte - mas são muito modestas se comparadas com os rendimentos dos países doadores.
O problema mais premente está relacionado com o montante extremamente baixo de assistência prestada pelos Estados Unidos. A Europa concordou com os aumentos necessários para África, mas os Estados Unidos não. Apesar de ser o país mais rico do mundo, os Estados Unidos são os mais avaros nos seus donativos. Em anos recentes, a ajuda dos Estados Unidos a África foram uns miseráveis 3 cêntimos por 100 dólares do PIB. Mesmo os 3 cêntimos por 100 dólares do PIB dos Estados Unidos vão além da verdadeira ajuda prestada pelos EUA. Uma grande parte da ajuda americana é realmente constituída por salários pagos a consultores americanos e não verdadeiros financiamentos para serem investidos na saúde, educação, agricultura e infra-estruturas de África.
O anúncio feito na semana passada pelos ministros das Finanças do G8 de que seria cancelada a dívida de 18 países africanos é um passo na direcção certa, mas é um passo muito modesto para responder às necessidades financeiras de África. O cancelamento da dívida poupará a África cerca de 1,5 mil milhões de dólares por ano de serviço da dívida, mas África necessita de um suplemento de 25 mil milhões de dólares de ajuda por ano até 2010. Assim, o cancelamento da dívida representa menos de 10 por cento de todas as necessidades financeiras de África.
É possível que os Estados Unidos nem sequer paguem a parte que lhes cabe pelo cancelamento da dívida. Cada país credor concordou em reembolsar o Banco Mundial uma parte da perda de «cash flow» sofrida pelo banco que resultará do cancelamento da dívida. Segundo consta, os Estados Unidos vão financiar a sua parte desses pagamentos
cortando noutras áreas de assistência! Por outras palavras, a ajuda que os países africanos vão obter dos Estados Unidos com o perdão da dívida será subtraída de outros programas de assistência. Se isto for realmente verdade, será uma atitude chocante.
A verdade é que a pobreza mundial não será solucionada sem que os Estados Unidos ponham termo a uma política externa que gasta enormemente no dispositivo militar mas investe muito pouco em meios pacíficos que contribuam para a segurança mundial. Os EUA e o mundo não serão seguros se os Estados Unidos continuarem a gastar 500 mil
milhões de dólares por ano no aparelho militar, mas apenas 3 mil milhões em assistência à África. Nenhum potencial militar, qualquer que seja o seu nível, pode garantir a segurança dos Estados Unidos quando centenas de milhões de pessoas têm fome, são dizimadas pela doença e não têm esperanças económicas.
Ao recusar a África o nível básico de ajuda que é necessário, os EUA estão a deixar morrer todos os anos milhões de africanos e a pôr em perigo tanto a segurança americana como a segurança mundial. Os dirigentes mundiais e os cidadãos precisam de dizer estas verdades elementares ao Presidente George Bush nas próximas semanas, a tempo de os EUA cumprirem a sua promessa antiga e nunca cumprida de serem um verdadeiro parceiro no desenvolvimento económico de África, quando os líderes do G-8 se reunirem na Escócia no princípio de Julho.
* Jeffrey Sachs, director do Earth Institute da Universidade de Columbia, é também assessor de Kofi Annan, Secretário-geral da ONU, para o programa Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Escreveu recentemente «The End of Poverty», (2005).
Tradução de Aida Macedo
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