LUSA - Bissau, 23/06- Ao longo de 30 anos, incluindo os 16 de guerra civil, o povo moçambicano conseguiu fazer maravilhas e soube adaptar-se às sucessivas mudanças internas e externas, pelo que, em breve, Moçambique será um país desenvolvido, afirmou Joaquim Chissano.
Em entrevista concedida à Agência Lusa em Bissau, onde se deslocou como enviado especial do secretário-geral da ONU, o ex-presidente moçambicano lamentou, contudo, que o país tenha ainda uma taxa de pobreza muito elevada.
"O balanço de 30 anos de independência é positivo e mostra uma determinação do povo moçambicano em libertar-se dos males em que vive, sobretudo a pobreza, que tem como elementos a ignorância, desemprego, analfabetismo, doença, em suma, o subdesenvolvimento", sublinhou.
"Podemos dizer que fez maravilhas, porque esses 30 anos foram encurtados em 16, no que diz respeito ao processo de desenvolvimento.
Foram 16 anos em que se esteve em guerra, promovida pelo "apartheid", pelo regime minoritário da Rodésia (actual Zimbabwué), com a participação de alguns saudosistas do colonialismo. Isso contribuiu para um grande atraso e para retardar a obtenção de bons resultados dos esforços que empreendeu desde 1975", acrescentou.
Segundo Chissano, que presidiu aos destinos do país durante quase 20 anos (1986 a 2005), o esforço acabou por "valer a pena", uma vez que, apesar dos sucessivos problemas, Moçambique soube adaptar-se às mudanças que ocorriam no país, decorrentes de um Estado independente, e das mudanças que ocorriam no mundo, as econômicas e as políticas.
"(O povo) Soube adaptar-se e levar a cabo uma diplomacia que permitiu que hoje só fale de amigos no mundo.
Tem relações normais com todos os países. Ao proclamarmos a independência nacional ainda havia Estados inimigos, havia muito desconhecimento da existência de Moçambique. Hoje é muito conhecido no mundo. Isso é um sucesso louvável", notou.
Foi por essa razão, acrescentou, que "tudo valeu a pena", uma vez que se confirmou a convicção que tinham os fundadores do movimento de libertação (Frente de Libertação de Moçambique - FRELIMO) e dos combatentes da liberdade quando fizeram a luta.
"A independência iria trazer mudanças de fundo na maneira de vida da população.
Hoje ainda temos um índice de pobreza elevado, cerca de 54 por cento. Mas o ritmo de decréscimo deste índice mostra que realmente estávamos certos, ao preconizarmos a unidade nacional como um instrumento forte para erradicar a pobreza", sustentou.
"Estamos confiantes de que havemos de erradicar a pobreza, começando pela absoluta. Depois, será a restante e vamos passar a ser um país que segue a senda do desenvolvimento", acrescentou Chissano, que destacou, entre outros "camaradas de armas", os nomes de dois dos mais representativos "heróis" moçambicanos.
Trata-se de Eduardo Mondlane, chefe histórico da FRELIMO assassinado em 1969, e do primeiro presidente de Moçambique, Samora Machel, que morreu num acidente aéreo em 1986 em circunstâncias por esclarecer.
"É sempre com muita mágoa que me recordo deles. Mas também sei que já tinham entregue a sua vida para a causa de Moçambique e que a sua morte não foi em vão, pois temos esses resultados que eles já preconizavam. Os seus exemplos continuam a estar vivos", sublinhou.
Questionado sobre como vê o papel que desempenhou em quase 20 anos de presidência de Moçambique, Chissano não respondeu, indicando que, tal como Mondlane ou Machel, há coisas que não se podem repetir ou copiar, uma vez que os tempos e os contextos são outros.
"Eu continuo vivo e muito presente e sei que tanto Samora Machel como Eduardo Mondlane não viveram a mesma época que estamos a viver.
Há muita coisa que não se pode repetir e copiar. Apenas adaptar, mesmo no meu caso", respondeu.
Instado pela Lusa sobre como é possível, após três ou quatro décadas de independência, ainda existirem tantas ditaduras e ditadores em África, Chissano responsabilizou a falta de estabilidade económica e a erradicação da pobreza, mas evitou falar em corrupção.
"É um processo que vai criando uma consciência de respeito pelas normas, uma consciência de unidade.
Um exemplo: falou-se muito da ditadura de Mobutu (Sese Seko, antigo presidente do ex-Zaire, actual RDCongo) que morreu já há bastante tempo. Ainda estamos a braços para tentar trazer a paz e a unidade e um processo democrático sustentável na RDCongo", afirmou.
"Isso mostra que não é uma questão apenas de homens. Temos de compreender como é que as ditaduras aparecem num país para podermos saber como podemos fazer passar esse país de um sistema ditatorial para um democrático", sustentou.
É por essa razão que, frisou, "acaba sempre por aparecer um homem com pulso forte para manter alguma ordem".
Para Chissano, democracia não é apenas o voto, mas também a distribuição e a utilização dos recursos por todos.
Por isso, concluiu, Moçambique "tem futuro", pois soube encontrar o seu rumo e, acima de tudo, "há uma determinação do povo para ele que seja risonho".