Enquanto uns faziam as malas e vendiam apressadamente o que não podiam levar, a maioria da população de Lourenço Marques vivia, em Junho de 1974, o sonho da independência, acreditando que o destino de Moçambique só poderia melhorar.
Por Luís Andrade de Sá - da Agência Lusa
Na elegante cidade do Índico, a iminente independência, acordada nove meses antes em Lusaca entre Portugal e a FRELIMO, "estava por todo o lado", do cortejo de contentores em direcção ao aeroporto aos primeiros saltos de pára-quedas por ex-guerrilheiros, na praia da Costa do Sol.
Samora Machel cumpria uma visita triunfal às províncias antes de voltar a Lourenço Marques para se tornar o primeiro presidente de Moçambique e na cidade a descolonização chegava aos monumentos com a retirada das estátuas de Mouzinho de Albuquerque, António Enes, cardeal Gouveia e Craveiro Lopes.
"Vamos deitar para a fogueira do colonialismo o vício de duvidar", escrevia-se no Notícias, diário que nas vésperas do 25 de Junho aumentou bastante a sua secção de pequenos anúncios.
Eram muitos os que queriam vender casas e camiões, terrenos, recheios de habitação, quotas em sociedades, maquinaria agrícola, ao lado de anúncios de cavalheiros que procuravam senhoras "para formar lar feliz".
O mercado do pequeno anúncio era dominado pelos portugueses que partiam e pelos poucos que decidiam ficar e o povo moçambicano enchia as notícias dos comícios, da formação de comités dinamizadores e de angariação de fundos para o novo país.
Em Lisboa aumentava a tensão entre as facções do Movimento das Forças Armadas (MFA) que conduziria ao 25 de Novembro, Angola e Timor-Leste estavam já no caminho da guerra civil, mas em Lourenço Marques apregoava-se que a "vida é uma festa".
Ou quase: "Fechado por ordens superiores", anunciava um papel escrito à mão na porta do "cabaret" Tamila, depois dos guardiões do futuro regime terem antecipado a moral revolucionária na célebre rua Araújo, fechando estes bares e afastando as "táxi-girls".
A fé nos bons costumes revolucionários estendia-se a colunistas da imprensa que escreviam contra a exibição de filmes como "O colchão escaldante" ou "westerns" que prometiam "fantásticas cenas de pancadaria".
Ainda em digressão pelas províncias, Machel avisava oito dias antes da independência que "a terra é do povo" e a religião apenas um compromisso individual.
O futuro presidente, indicado oficialmente pela FRELIMO para o cargo a 22 de Junho, prometia que o país iria apoiar o combate ao racismo sul-africano e rodesiano e o consulado geral da África do Sul na Beira fechava as suas portas.
Em sentido contrário, chegavam os novos amigos para prepararem grandes representações diplomáticas: União Soviética, China, Coreia do Norte, Cuba e de toda a "África negra", como então se dizia.
Na ainda colonial Lourenço Marques cruzam-se dirigentes de libertação da África Austral, como Agostinho Neto (MPLA), Sam Nujoma (SWAPO), Oliver Tambo (ANC) e Joshua Nkomo (ZAPU), com dirigentes da social democracia nórdica, do leste europeu e representantes das monarquias marroquina e japonesa e do Partido do Congresso Indiano.
A delegação portuguesa à independência, chefiada por Vasco Gonçalves, incluía Melo Antunes, Álvaro Cunhal, Mário Soares e Otelo e teve a saudá-la, à partida da Portela, o coronel Jaime Neves, mostrando que todo o MFA estava ao lado do novo país.
Pela mesma altura, uma missão de Lisboa, liderada pelo jovem secretário de Estado da Cooperação Externa, Jorge Sampaio, ultimava, a poucas horas da independência, os dossiers do BNU, das telecomunicações e da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, este ainda em aberto 30 anos depois.
No Inverno ligeiramente frio e seco de Lourenço Marques, foi sob chuva torrencial que um cabo da marinha portuguesa arreou a bandeira nacional às 00:00 do dia 25 de Junho de 1974 antes de ceder o palco a Alberto Chipande, o general maconde da FRELIMO, que içou a bandeira moçambicana.
A multidão que enchia o estádio da Machava e acompanhou com palmas ritmadas a mudança de bandeiras, ouviu então a estrofe que abria o novo hino do país - "viva, viva a FRELIMO" -, num prenúncio que o regime socialista de partido único estava já ao virar da esquina.