Este é, seguramente, o artigo que escrevo com a alguma relutância, pois preferia não ter que fazê-lo. Não se trata de falta de convicção ou insegurança nas ideias que vou exprimir, mas sim porque o assunto é sensível, delicado, melindroso, pois envolve duas pessoas (pesos-pesados, dinossauros) umbilicalmente associadas à fundação daquilo que é hoje conhecido como o nacionalismo sãotomense.
Acresce que a minha matriz de valores, uma complexa combinação de contribuições africanas, crioulas e europeias (a ordenação é meramente alfabética), obriga-me a ter cuidados acrescidos quando teço considerações sobre pessoas mais velhas, independentemente do estatuto social, económico, político, ou qualquer outro, que estas possam ter na sociedade. Deixo, propositadamente, de lado os tradicionalmente intrincados laços de parentesco para facilitar a minha empreitada.
Essa mesma matriz, por outro lado, obriga-me, também, a pronunciar-me, sempre, sobre situações que configuram, na minha opinião, violação do direito de liberdade de expressão de qualquer cidadão, seja ele quem for e onde estiver.
Para quem, como eu, já levou com a sua dose de doutrinação e de evangelização sobre a nossa heróica “Luta de Libertação Nacional”, o nome de Tomaz Medeiros é certamente um daqueles que goza de estatuto de incontornável. Porém, tanto quanto consigo recordar, pouco ou nada se sabe sobre o pensamento político desse ilustre filho da terra. Menos ainda se sabe sobre as razões que levaram-no a afastar-se, tão prematuramente, do MLSTP, optando por filiar-se no MPLA, tendo mesmo (segundo o próprio) participado na luta armada de libertação de Angola. O que explica esse abandono da causa Sãotomense e a opção por Angola?
De há uns cinco anos a esta parte, tenho-me cruzado, amiúde, com (Dr.) Tomaz Medeiros em sessões públicas de diversa natureza sobre STP, ou África em geral, que têm lugar em Lisboa. Confesso que nunca chegámos a trocar demoradamente impressões sobre STP. Das suas intervenções na RDP-África ou em debates e conferências, sobressai sempre um profundo conhecimento dos meandros dos primórdios e do desenvolvimento das organizações nacionalistas dos PALOP’s. Sente-se nele um profundo desencanto e amargura em relação aos resultados até agora alcançados por STP nestes 30 anos de independência.
É, portanto, alguém que tem muito para dizer sobre a História recente de STP, porque foi parte activa em muitos dos acontecimentos que figuram nesse registo. Viveu-os na primeira pessoa. Dada a sua idade já algo avançada, urge, portanto, que esse conhecimento não se perca, mas sim que fique devidamente registado e disponível para as gerações vindouras. Não estou a dizer que a versão dos factos segundo Tomaz Medeiros seja a mais correcta ou a (mais) verdadeira. Digo apenas que nós, os sãotomenses, não podemos abrir mão dessa versão, não podemos prescindir do importante espólio que são, certamente, as experiências e vivências políticas (e não só) de Tomaz Medeiros.
Devem estar já em pulgas para saber a razão de ser de todo este intróito. Ora bem, num debate sobre a actual situação política em STP, organizado por um grupo de compatriotas no passado dia 22 de Maio do corrente ano, nas instalações da Junta de Freguesia de S.Domingos de Benfica (Lisboa), Tomaz Medeiros exibiu aos presentes cópia de uma carta, datada de Jun/2004, que lhe foi endereçada por Alda Espírito Santo, na sua qualidade de presidente da UNEAS (União de Escritores e Artista Sãotomenses) e de amiga pessoal de Tomaz Medeiros.
Nessa carta Alda Espírito Santo explica as razões que, no seu entender, levaram-na (e a UNEAS) a não recomendar a publicação pelo Instituto Camões de dois romances da autoria de Tomaz Medeiros. Reconheço que o gesto de escrever a carta é nobre e cumpre os requisitos (mínimos) da boa educação, que a situação exige e que se espera de alguém da craveira de Alda Espírito Santo.
Se bem entendi, as razões do veto da UNEAS prendem-se, muito sinteticamente, com a necessidade de se preservar a verdade oficial sobre a Luta de Libertação Nacional desenvolvida pelo MLSTP e a sua esclarecida liderança. Outros argumentos utilizados por Alda Espírito Santo consistem no julgamento despropositado e extemporâneo sobre o caminho político percorrido por Tomaz Medeiros, depois do seu afastamento (voluntário?) do MLSTP.
Não estou (ou até estou) aqui para julgar a decisão da UNEAS e de Alda Espírito Santos, mas sim para manifestar a minha discordância dessa decisão e para dizer que dela transparece uma situação inaceitável de censura e evidentes tiques de autoritarismo. São atitudes não aceitáveis em democracia (na sua versão burguesa) e que não se espera encontrar em pessoas que participaram na luta contra o colonialismo e contra o fascismo português.
A PIDE tinha um “lápis azul” para censurar verdades ou ideias incómodas para o regime fascista português! Será que em STP a UNEAS e Alda Espírito Santo também fazem uso do lápis azul?
Não conheço o conteúdo dos romances que Tomaz Medeiros pretende publicar, mas julgo que ele tem o direito de o fazer e, de preferência e se possível, em STP, sua terra natal. Mais, ele deve isso aos sãotomenses.
Se os romances em questão contêm passagens que podem, de algum modo, ser interpretadas como tentativa de reproduzir factos da história de STP nos quais muitos “históricos” do MLSTP (vivos ou não) tiveram prestações pouco meritórias, competirá aos visados (ou aos seus descendentes) demonstrarem que Tomaz Medeiros está a ser tendencioso, não está a contar toda a verdade. Censura prévia é que não me parece razoável.
Perguntam, e com razão, o que faz um puto, metido a reaccionário, numa briga de Revolucionários com provas dadas? Não sei. Sei apenas que gostaria que todos os sãotomenses pudessem, de alguma forma, contribuir para que o testemunho de Tomaz Medeiros não se perdesse na máquina trituradora dos auto-proclamados guardiões do nacionalismo sãotomense à moda do MLSTP.
Não sou portador de qualquer mandato de Tomáz Medeiros para falar em seu nome, nem creio que ele precise disso. Trata-se apenas de manifestação pessoal, expontânea e pública de solidariedade. Se acham que a causa é nobre e puderem, façam o mesmo.
Saudações tremendamente reaccionárias e... desMLSTPeizantes!
Alcídio Montóia Pereira ([email protected])
Carnaxide, 25 de Maio de 2005
Nota:
Parece que não é só em Moçambique que existem várias "histórias". Foto de Alda Espírito Santo.
Fernando Gil