Pelo menos dois “advogados” inscritos na Ordem dos Advogados de Moçambique acabam de ser expulsos daquela agremiação profissional em virtude de se ter descoberto que se inscreveram fraudulentamente, pois não possuem a Licenciatura em Direito, requisito legal fundamental para o exercício daquela profissão liberal.
Um dos atingidos pela medida é Mário Saraiva Ngwenya, funcionário sénior do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação (MINEC) e esposo da embaixadora de Moçambique junto da União Europeia, em Bruxelas, o qual obteve equivalência do grau de Licenciatura em Direito junto do Ministério da Educação sem que tenha concluido o curso de Direito que frequentara na Universidade Moderna, em Portugal.
O outro “advogado”que viu a sua inscrição cancelada é Bernardo Francisco Janela, que se inscreveu na Ordem com um Certificado de Licenciatura em Direito falso, alegadamente, obtido na Faculdade de Direito da Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo.
De acordo com fontes do ZAMBEZE dentro da Ordem dos Advogados, os casos de inscrição fraudulenta daqueles advogados estão a ser detectados no âmbito do processo de reverificação dos processos de inscrição dos licenciados em Direito naquela agremiação profissional, sendo que os dois casos até aqui detectados podem ser exemplificativos de um problema ainda maior dentro da casa dos causídicos.
“Caso Mário Saraiva Ngwenya”
Segundo os documentos em posse do ZAMBEZE, Mário Saraiva Ngwenya apresentou em 1998 ao Ministério da Educação, um certificado da Universidade Moderna, de Lisboa, que comprovava que ele havia feito naquela instituição algumas disciplinas do Curso de Licenciatura em Direito. Tal Certificado das disciplinas não diz, em nenhum momento, que o seu portador terminou naquela universidade a Licenciatura em Direito.
Baseando-se nesse “Certificado de aprovação nas disciplinas”, o Departamento de Avaliação e Certificação do Ministério da Educação atribuiu ao cidadão Mário Saraiva Ngwenya três certidões de equivalência, uma que lhe reconhece o “grau de Licenciatura em Direito para o exercício de actividades profissionais”, outra que lhe reconhece “grau de Licenciatura em Direito para efeitos de provimento em cargo público” e outra que lhe reconhece “grau de Licenciatura em Direito para efeitos de continuação dos estudos”.
Pegou o cidadão Mário Ngwenya nas três certidões e, com base nelas, requereu sua inscrição na Ordem dos Advogados, o que foi aceite e ele passou a exercer a sua “profissão” liberal até que há cerca de um ano, o Conselho Directivo da Ordem decide proceder à reverificação dos processos de inscrição de licenciados em Direito, sobretudo dos licenciados em universidades estrangeiras, já que alguém alertou que havia pessoas não licenciadas mas que conseguiam obter equivalências no Ministério da Educação.
Duvidando do “Certificado” que serviu de base ao MINED para atribuição de equivalência ao cidadão Mário Ngwenya, a Ordem dos Advogados escreve a 18 de Junho de 2004 ao director do Registo Académico da Universidade Moderna, em Lisboa, manifestando “dúvidas sobre a autenticidade do Certificado de Licenciatura em Direito apresentado pelo Senhor Dr. Mário Saraiva Ngwenya” e solicitando informação, “com urgência sobre o assunto, nomeadamente a autenticidade do referido certificado cuja cópia se junta”.
Em resposta à missiva da Ordem dos Advogados de Moçambique, o secretário da Universidade Moderna, Dr. Manuel Sousa Torres, respondeu, a 30 de Junho de 2004, nos seguintes moldes:
“Em resposta ao ofício de V.Exa, de 18 de Junho do corrente, informamos que o certificado de vossa posse é autêntico. Contudo, informamos que o cidadão Mário Saraiva Ngwenya não terminou nesta Universidade a Licenciatura em Direito”.
A 26 de Julho de 2004, a Ordem dos Advogados escreve a Mário Saraiva Ngwenya, informando-lhe ter constatado que o “Certificado de Licenciatura em Direito que V.Excia juntou ao seu pedido de inscrição, emitido pela Universidade Moderna, apenas certifica aprovação nas disciplinasd e não a conclusão da Licenciatura em Direito”.
Assim – continua a missiva da Ordem – “vimos solicitar a V.Excia se digne informar do que se lhe oferecer sobre o assunto, no prazo de trinta (30) dias, sob pena de cancelamento da sua inscrição na Ordem, sem prejuízo de procedimentos inerentes ao caso”.
A esta carta, Mário Ngwenya nunca respondeu por escrito, mas o ZAMBEZE soube que, “telefonicamente, ele reagiu muito mal a essa situação”.
Em Agosto de 2004, a Ordem dos Advogados manda uma outra missiva, desta feita, ao ministro da Educação, Dr. Alcido Ngwenya, a solicitar esclarecimentos sobre “quais teriam sido os elementos que serviram de base para o reconhecimento do grau de Licenciatura ao Senhor Mário Saraiva Ngwenya”.
A essa missiva, a Ordem juntou a carta-resposta da Universidade Moderna, que diz não ter sido ali onde Mário Saraiva se licenciou em Direito.
Essa carta da Ordem para o minstro Ngwenya nunca foi respondida até à cessação das suas funções daquele titular em Janeiro de 2005.
Esta semana, o ZAMBEZE voltou ao Ministério da Educação, onde deparou com a ausência, em serviço no estrangeiro, do Dr. Abel Assis, pessoa que passou a equivalência ao Dr. Mário Saraiva Ngwenya.
Falou para o ZAMBEZE, o assessor do ministro e chefe, provisório, do gabinete do ministro da Educação e Cultura, Dr. Anísio Matangala, que disse ser ainda muito novo naquelas funções para saber o que se teria passado ali em 1998. Contudo, prometeu investigar o que se passou e dar a este jornal as conclusões das suas investigações.
“Estamos a investigar o assunto”, Alcinda Abreu, MNEC
O ZAMBEZE abordou, a respeito do mesmo assunto, a ministra dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Dra. Alcinda Abreu, que confirmou ter recebido o expediente da Ordem dos Advogados, comunicando-lhe da situação de inscrição fraudulenta do seu funcionário sénior e prometeu investigar a fim de saber se, para além daquela “licenciatura em Direito”, Mário Sariva Ngwenya não tem outra numa outra área, pois “para a carreira que ele está a seguir a licenciatura é também, um dos requisitos para o exercício das funções que exerce”.
Abreu referiu que teve acesso aos documentos em meados de Abril e logo ordenou uma equipa do departamento jurídico da instituição para averiguar a situação.
Segundo Alcinda Abreu, o requisito mínimo para exercer diplomacia numa embaixada é a licenciatura e se Mário Saraiva Ngwenya não possuir esse nível a sua situação será revista porque no Estado tudo está claro.
“Detectou-se essa irregularidade no curso de Direito, mas as funções que exerce este elemento na nossa instituição não têm nada a ver com o curso de Direito, isto é, pode ter licenciatura numa outra área. É o que estamos a investigar neste momento”, disse.
Quanto às medidas a tomar em caso de se descobrir que de facto houve irregularidades, Alcinda Abreu disse que não pode avançar mais detalhes porque o departamento jurídico é que está à frente das investigações e este recomendará que tipo de medidas deverão ser tomadas.
“Não posso vos dizer o que farei se constatar que o nosso quadro está numa situação irregular. Esperarei o conselho do departamento jurídico”, disse Alcinda
“Caso Bernardo Francisco Janela”
O caso de Bernardo Francisco Janela é um pouco mais grave do que o primeiro porque Trata-se de falsificação de certificado de habilitações literárias.
Trata-se de pura falsificação de um certificado completa de habilitações literárias, do nível de Licenciatura em Direito, alegadamente, concluído em Outubro de 1997 na Universidade Eduardo Mondlane.
Com esse certificado falso, Janela logrou inscrever-se na Ordem dos Advogados e passou a exercer a sua “função”de “jurista licenciado”.
Nessa qualidade de “licenciado em Direito”, Janela foi admitido, em Agosto de 2000, como docente universitário na Delegação da Universidade Pedagógica em Nampula, praça onde, para além da docência, exercia actividades forenses.
Durante o já referido processo de reverificação dos documentos com que se inscreveram os advogados na sua Ordem, foi detectado que o “certificado”de Bernardo Janela apresentava-se com um corpo de letra diferente dos corpos de letra doutros certificados passados pela mesma universidade, o que suscitou dúvidas à Direcção da Ordem, a qual escreveu, a 11 de Fevereiro de 2002, à directora do Registo Académico da UEM, pedindo informação sobre a autenticidade do certificado apresentado.
Em resposta à solicitação da Ordem, a directora do Registo Académico da UEM, dra. Gracinda Mataveia, respondeu a 19 de Fevereiro de 2002, nos seguintes moldes:
“(…) Compulsados os arquivos desta Direcção, não consta em como o Sr. Bernardo Francisco Janela tenha frequentado e/ou concluido a Licenciatura em Direito ou outro curso ministrado nesta Universidade. Pelo exposto no número anterior, a Direcção do Registo Académico informa à V.Excia que os certificados exibidos são falsos”.
Munida desta informação, a Ordem dos Advogados intentou uma acção-crime contra Bernardo Francisco Janela, acusando-o de falsificação de habilitações literárias e de exibição de falsa qualidade de “advogado”, que, de facto, nunca o foi.
Apercebendo-se da existência de um processo-crime sobre sí, Bernardo Francisco Janela “desapareceu, misteriosamente, da praça de Nampula, havendo informações de que se encontra algures nos distritos das províncias do Norte”, disse ao ZAMBEZE uma fonte da Ordem dos Advogados, que apelou a quem souber do seu paradeiro o favor de comunicar às autoridades policiais mais próximas para a sua recaptura e condução à barra do tribunal.
A nossa fonte na Ordem dos Advogados garantiu que o processo de reverificação dos documentos com que se inscreveram ali os advogados vai continuar e serão tornados públicos os seus resultados finais.
ZAMBEZE - 02.06.2005
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