Martim Moniz à espera dos ‘skins’ “Cada um é livre de se manifestar. Quem tem de se preocupar são as autoridades. Não estamos aqui para provocar, mas é bom que não nos provoquem”, diz Daniel, 38 anos, desempregado. “Aqui também corre sangue”, atira, encostando a mão ao peito. “Se quiserem confrontos, estamos preparados. Não vamos fugir, é evidente.” Os lojistas são, na sua esmagadora maioria, pessoas de origem asiática e africana, contando-se pelos dedos das mãos os portugueses que abriram ali os seus negócios. Embora o sentimento geral seja de calma e tranquilidade, há sempre o receio de que as coisas dêem para o torto. Uma troca de palavras mais azeda pode gerar uma situação de consequências imprevisíveis. O papel e a actuação da polícia é determinante e merece, por isso, a confiança dos lojistas.
Adão, Daniel e ‘Pideru’ afogam a sede numa esplanada do Martim Moniz. É ali que passam as tardes, quando o calor aperta. Angola domina as conversas, mas ontem abriram uma excepção: a ‘manif’ dos ‘skinhead’, marcada para o início da tarde de amanhã.
CORREIO DA MANHÃ - 17.06.2005
As palavras de Daniel são claras e traduzem o sentimento da comunidade africana residente na zona. Mas ‘Pideru’, 19 anos, pedreiro, não resiste a vincá-las: “Sim, pode escrever aí: estamos preparados!”. Adão, 31 anos, vai concordando com a cabeça, mas, para já, está mais preocupado em saber quem lhe pode pagar uma cerveja para refrescar a garganta.
José Fortunato, 30 anos, barbeiro em Almada, não resiste a entrar na conversa: “Desde que não nos toquem, que façam o que quiserem. As pessoas são livres”.
‘Pideru’ volta à carga: “Estamos preparados”, reforça, ao que Daniel acrescenta: “Não acredito que apareçam muitos. Vamos ver”.
A opinião destes quatro jovens angolanos, que vieram para Portugal em finais da década de 80, princípios de 90, é partilhada pelos lojistas dos dois centros comerciais que se erguem no Martim Moniz, uma das praças mais emblemáticas da capital, aos pés da encosta que conduz do Castelo de S. Jorge. Não há sinais de receio, nem sequer preocupação. Todos esperam um protesto pacífico, bem controlado pelas forças da autoridade, para evitar a batalha campal que alguns perspectivam.
“Desde que não façam mal, não há problema. Toda a gente faz manifestações, pelos mais diversos motivos. Há não muito tempo houve uma de ‘gays’”, afirma Latif, 30 anos, vendedor numa loja de electrodomésticos.
“Acho que vai correr tudo bem. Não nos podem é provocar. Se não... é evidente que vamos ter problemas”, acrescentou o jovem moçambicano, casado e pai de quatro filhos, que chegou ao nosso país “ainda pequenino”. “No início, ainda ouvi coisas do tipo: ‘monhé, vai para a tua terra’. Mas, depois, isso acabou”.
Imran, 29 anos, gerente de uma loja de venda de telemóveis, diz que não tem medo dos ‘skinhead’ e que, amanha, será um dia como os outros. “Se houver problemas é na rua, não acredito que cheguem ao interior do centro. Se me vierem provocar, não respondo”, disse Imran, paquistanês, há cinco anos a viver em Portugal.
Irene Lourenço, de 20 anos, veio há 11 de Angola. É empregada numa boutique. Ouviu falar na manifestação “de passagem” e confessa que não é assunto que lhe tire o sono.
“Espero que não haja violência. Confio na polícia , acho que vai correu tudo bem. Agora, se se meterem connosco, as coisas podem complicar-se. A ‘malta’ aqui da zona é capaz de responder”.
Akas Rahman, 18 anos, natural do Bangladech, diz-se satisfeito em Portugal, desde que aqui chegou, vai para três anos e olha para a manifestação como um acto “natural em Democracia”.
“Em todo o mundo há manifestações pelos mais diversos motivos e de todo o tipo de pessoas. Não vejo razões para criticar esta. O importante é não haver problemas”, considera.
Mussa, 50 anos, natural de Moçambique, tem uma loja de artigos vários e já foi alvo de violência. “Partiram uns vidros, mas não roubaram nada.” Por isso, não tem nada contra a manifestação dos ‘skinhead’ – contra a criminalidade. Só espera que decorra sem incidentes. “Vou fechar a porta pela uma hora. Não me vai afectar muito.”
Já o gerente de uma ourivesaria da zona, que pediu o anonimato, é da opinião que o protesto dos ‘cabeças rapadas’ é “necessário”, tal o “estado a que as coisas chegaram”. “É preciso pôr travão a isto. Se não... onde é que vamos parar?”, interroga.
LOJAS DOS CENTROS PODEM FECHAR
O encerramento dos dois espaços comerciais existentes no Martim Moniz – Centro Comercial da Mouraria e Centro Comercial do Martim Moniz – durante o período em que decorrer a manifestação dos ‘skinhead’, é uma hipótese em cima da mesa, apurou o CM.
Contactados pelo nosso jornal, alguns lojistas confirmaram essa possibilidade, embora nada ainda lhes tenha sido comunicado oficialmente. Uma situação que não os preocupa, pois, dizem, é preferível perder algum dinheiro e contribuir para que a concentração decorra de forma pacífica, do que abrir o estabelecimento e correr riscos.
REFERÊNCIAS
OPERAÇÃO
Numa operação levada a cabo, há cerca de um ano, na rua Benformoso, que liga o Intendente ao Martim Moniz, as autoridades policiais (PSP, PJ, SIS e SEF) detiveram duas centenas de imigrantes ilegais.
SAMPAIO
Em Março de 2003, o Presidente da República, Jorge Sampaio, terminou uma semana dedicada à Imigração com uma visita aos dois maiores espaços inter-étnicos do País: os centros comerciais da Mouraria e do Martim Moniz.
APOIO
A Associação Guineense de Solidariedade Social apoiou, em 2004, cerca de 1500 imigrantes de Leste, com alimentação cursos de português e apoio médico.
PS DIZ QUE O PROTESTO É UMA PROVOCAÇÃO
O deputado socialista Vitalino Canas considerou o protesto marcado pela Frente Nacional como “uma provocação dos valores da democracia e da liberdade” e defendeu que deve haver, da parte de todos, “uma firme repulsa dos princípios que estão na base desta manifestação”.
PCP REJEITA DISCURSOS DE EXTREMA-DIREITA
António Filipe, deputado pelo PCP, criticou o centrista Nuno Melo por usar o ‘arrastã’o em Carcavelos como “arma de arremesso político-partidário” e afirmou que o PCP não alinhará “num discurso muito típico da extrema-direita, que fica mal na Assembleia da República”.
CDS-PP RECUSA COMENTÁRIOS
Depois de uma intervenção do deputado Nuno Melo sobre o ‘arrastão’ na praia de Carcavelos, e que motivou duras críticas por parte do Bloco de Esquerda e PCP, os responsáveis pelo CDS-PP, contactados pelo CM, recusaram-se a comentar a manifestação da extrema-direita.
BE PREOCUPADO COM "O QUE PODE ACONTECER"
Ana Drago, deputada do Bloco de Esquerda, afirmou que o seu partido está “seriamente preocupado com o que pode acontecer e com os princípios que estão na origem desta manifestação” e defendeu que é necessário “combater a pequena criminalidade, mas de uma forma pró-activa”.Paulo João Santos