Em 30 anos de existência como nação independente, Moçambique passou por um sistema revolucionário, logo transformado em regime marxista de partido único, viveu a guerra civil, aderiu ao multipartidarismo e abraçou a economia de mercado. Os regimes mudam mas mantêm-se os problemas que transformam o país num dos mais pobres do Mundo e o aniversário da independência é comemorado com amargura pelas promessas que continuam por cumprir.
CORREIO DA MANHÃ - 25.06.2005Como sempre acontece nos momentos de crise, o aumento do número de pobres só é comparável ao aparecimento de cada vez mais ricos e a corrupção está na frente das preocupações da sociedade civil e dos parceiros externos.
Sem a contribuição dos doadores internacionais e face ao excessivo endividamento o país entraria em falência: as receitas internas garantem apenas menos de metade dos recursos necessários para assegurar o mínimo funcionamento do Estado.
Hipólito Hamela, consultor na Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (USAID), afirma que a independência política de Moçambique não foi acompanhada pela soberania económica e acrescenta que “o país não pode sequer alimentar a sua própria população”. Como razões para o atraso da economia moçambicana, Hipólito Hamela aponta o “fardo colonial” que o país herdou, o falhanço do modelo socialista seguida pela Frelimo, partido no poder desde a independência, e os 16 anos de guerra civil.
Enquanto se espera pelo aparecimento de uma nova geração de políticos não marcada pela guerra, a Frelimo e o principal partido da oposição, a Renamo, acusam-se mutuamente pelo atraso do país. O líder da Renamo, Afonso Dhlakama, declara-se “desapontado” com o processo político mas a Frelimo, no poder desde 1975, qualifica como “extremamente positivos” os 30 anos da independência, destacando a capacidade demonstrada pelos moçambicanos “no ciclo de transições”, como afirma Edson Macuácua, porta-voz do partido.
RECOMEÇAR DO ZERO
“Hoje temos de começar do zero. Estamos de novo na luta pela nossa independência política, económica e cultural”, resumiu Elísio Macamo, professor universitário que, em 1975, na véspera da independência, foi uma das crianças escolhidas para saudar Samora Machel, primeiro presidente de Moçambique, então em digressão triunfal pelo país.
SOARES E GAMA EM MAPUTO
As comemorações dos 30 anos da independência de Moçambique, que hoje decorrem em Maputo, juntam na capital presidentes, ex-chefes de Estado e dirigentes de diversos países de todo o Mundo.
Para participarem nas cerimónias, que decorrem em todo o país, mas têm o seu ponto alto na capital, estarão presentes, entre outros, os presidentes dos Parlamentos de Portugal, Jaime Gama, de Angola, Roberto de Almeida, assim como os ministros dos Negócios Estrangeiros de Timor-Leste, Ramos Horta, e do Malawi, Henry Mussa. Mário Soares e Nelson Mandela assistem igualmente às cerimónias.
NOTAS
UM DÓLAR POR DIA
O objectivo de tirar o país do subdesenvolvimento continua por alcançar e 54% da população vive com menos de um dólar por dia. A esperança de vida caiu para os 38 anos, a mortalidade infantil vitima 124 crianças em cada mil.. Marcas de um país afectado pela malária e sida.
PARCERIAS EXTERNAS
O Orçamento de Estado moçambicano vive muito à custa de doadores internacionais, um grupo de países que o financiam directamente, e projectos, de construção de pontes a acções educativas, dependem de parcerias externas.
TESTEMUNHOS
"ERRADICAR POBREZA" (Joaquim Chissano, Ex-presidente)
“Podemos dizer que (a independência) fez maravilhas. Trinta anos foram encurtados em 16, no que diz respeito ao desenvolvimento. Foram 16 anos de guerra que contribuiram para retardar a obtenção de bons resultados dos esforços empreendidos desde 1975”, afirmou Joaquim Chissano. “Estamos confiantes de que havemos de erradicar a pobreza”, acrescentou.
"VENHAM VER" (Armando Guebuza, Presidente)
“Venham ver o potencial de Moçambique e certamente ficarão com mais razões do que imaginam para investir”, afirmou Armando Guebuza, na conferência do ‘American Corporate Council on Africa’, em Baltimore, EUA, durante um apelo aos empresários norte-americanos. Guebuza garantiu que Moçambique está aberto e pronto a receber projectos de investidores.
"SUBSIDIAR A CULTURA" (Mia Couto, Escritor)
Os “produtores da cultura” são os únicos que “não pararam” perante o mar de dificuldades que o país tem atravessado desde a independência, afirma o escritor. Mas Mia Couto reconhece que “o mercado do livro, como muitos outros sectores, está numa profunda crise” e defende que o Estado deve subsidiar” porque não se pode entregar o destino dos livros às leis do mercado”.
"VALEU A PENA" (Mário Wilson, Treinador de futebol)
“O balanço tem aspectos positivos e negativos. Valeu a pena a luta pela conquista da independência que demonstrou a determinação do povo em libertar-se dos males em que vivia. Mas depois não fomos capazes de dar resposta aos anseios da população. Espero que o recente perdão da dívida pelo G-8 sirva para melhorar os sectores da saúde, educação e justiça”.Carlos Menezes com Lusa