A investigação em França ao caso Angolagate, sobre o alegado tráfico de armas da ex-União Soviética para Angola, indica que grande parte das comissões destes negócios foi recebida por dirigentes angolanos, refere o jornal Le Monde. |
O jornal teve acesso ao processo Angolagate, conduzida pelo juiz Pierre Courroye, que envolve o empresário francês Pierre Falcone, Jean-Christophe Mitterrand, filho do ex-Presidente francês Francois Mitterrand, o ex-ministro do Interior francês Charles Pasqua, além do empresário russo Arcadi Gaydamak. Segundo o jornal francês, na sua edição online de hoje, a brigada financeira efectuou uma minuciosa cronologia do processo de venda de armas a Angola, não autorizada pelo Governo francês, entre 1993 e 1994, no valor de 600 milhões de dólares (497 milhões de euros, ao câmbio actual). Entre as várias transacções constantes no processo estão dois depósitos, no valor de 350.000 dólares, efectuados por Falcone a 28 de Dezembro de 1993, através da empresa que dirigia, a Brenco, no Banco Comercial Português, em Lisboa, em nome de José Leitão da Costa e Silva, então secretário do Conselho de Ministros angolano. De acordo com a mesma fonte, a 23 de Março de 2005 foram depositados, no mesmo banco e provenientes da mesma fonte, 1,7 milhões de dólares, numa conta de Fernando Araújo, então conselheiro do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos. A 21 de Fevereiro de 1996, a Brenco depositou dois milhões de dólares numa conta aberta num banco austríaco, em nome de Elísio Figueiredo, embaixador itinerante da República de Angola. Segundo o processo, acrescenta o Le Monde, no mesmo dia José Leitão recebe mais um depósito de 600.000 dólares. Os investigadores dão ainda conta de outros depósitos efectuados a 02 de Julho de 1996: Sete milhões de dólares para Elísio Figueiredo, 1,9 milhões de dólares para José Leitão, dois milhões de dólares a favor de Maria do Carmo da Fonseca (mulher de José Leitão) e 1,2 milhões de dólares para Alexandre Nuno (parente de José Leitão). No processo, os investigadores citam uma testemunha do processo, Jean-Bernard Curial, encarregado dos assuntos relativos à África Austral no Partido Socialista francês nos anos 1980, que garantiu que Falcone e Gaydamak conseguiram comissões no valor de 300 milhões de dólares, acrescentando que parte deste dinheiro reverteu a favor de dirigentes angolanos. Esta testemunha refere que deu "pessoalmente" a Elísio de Figueiredo duas remessas em dinheiro, no valor de 200.000 francos, que entregou directamente na sua casa de Paris. "Figueiredo é uma personagem muito importante. É a única pessoa que pode telefonar durante a noite para Eduardo dos Santos. Eles têm segredos em comum, nomeadamente segredos bancários. Penso que o sr. Figueiredo é, em algumas operações financeiras, o seu mandatário", referiu Curial, citado no processo, segundo o Le Monde. O juiz refere também no processo haver indícios de que Falcone abriu, em 1998, contas em nome de três empresas sob jurisdição panamiana (Dramal, Camparal e Tutoral) no Banco Internacional do Luxemburgo, tendo as verificações bancárias revelado que os "beneficiários económicos" destas contas eram, entre outros, o próprio Falcone, Elísio Figueiredo e Eduardo dos Santos. Após este caso, a justiça suíça começou a investigar o pagamento da dívida de Angola à Rússia entre 1996 e 2000, operação conduzida por Falcone e por Gaydamak e que terá gerado comissões no valor de 614 milhões de dólares. O juiz suíço Daniel Devaud acusou Falcone de "branqueamento de dinheiro, apoio a uma organização criminosa e corrupção de agentes públicos estrangeiros". Falcone é acusado de pertencer com Gaydamak, Eduardo dos Santos, Elísio Figueiredo e Joaquim David (ministro da Indústria angolano) a uma "organização secreta que operava entre Genebra, Moscovo e Luanda com o objectivo de obter receitas ilícitas por meios criminais, tais como a corrupção e a gestão desleal dos interesses públicos". Estas acusações provocaram uma crise diplomática entre a Suiça e Angola, que chamou o seu embaixador em Berna. O jornal Le Monde publica ainda um segundo artigo sobre as alegadas pressões do Governo angolano junto das autoridades francesas para que fossem abandonadas as acusações contra Falcone, que deixou a França em Setembro de 2003, apesar de estar sob controlo judiciário, sendo depois nomeado embaixador de Angola na UNESCO, gozando assim de imunidade. O diário francês refere, nomeadamente, um despacho oficial enviado a 18 de Maio último à então ministra da Defesa francesa, Michèle Alliot-Marie, pelo seu homólogo angolano, Kundi Paihama, afirmando que Falcone "agiu como mandatário oficial do Governo angolano, e que, como tal, as investigações levadas a cabo em Paris pelo juiz Courroye "afectam directamente a soberania do (seu) país. "O único meio que o Governo francês tem de acabar com os atentados à soberania da República de Angola, tanto ilegítimas quanto injustas, é retirar as queixas por comércio ilegal de armas", refere a mesma carta, segundo os excertos publicados no jornal. A Agência Lusa tentou, sem sucesso, contactar a presidência angolana para comentar estas acusações. Agência LUSA |