Passa hoje mais um aniversário do dia em que a 1ª Companhia do Batalhão de Cavalaria 8421 estacionada em OMAR(Namatil) se entrega à Frelimo e é levada para a Tanzânia.
História ainda mal contada, 31 anos depois. Porquê?
Fernando Gil
Este é o relatório oficial sobre o acontecimento:
"- Em 01AG074 - Ataque ao aquartelamento de OMAR seguido de golpe de mão. Na madrugada do dia 01AG074 na orla da mata do estacionamento ouviram-se vozes de megafone dizendo: “Atenção aquartelamento de OMAR, nós não lutamos contra vocês lutamos contra o Fascismo e Colonialismo e esses terminaram no dia 25 de Abril. Queremos falar com vocês. Mandem um mensageiro à pista pois nós estamos sem armas. Queremos apenas falar convosco, não queremos mais derramamento de sangue." Perante estas palavras o sold. JOAQUIM DA SILVA PIEDADE ofereceu-se voluntário para ir à pista como mensageiro. Todo o restante pessoal continuou nas valas e em diversas posições de fogo. Quando o referido mensageiro ia a chegar à pista novas vozes de megafone se ouviram, pedindo para que o comandante viesse também à pista. Perante isto o comandante do aquartelamento, Alf. Milº. JOSÉ CARLOS DA SILVA E COSTA MONTEIRO acedeu em ir também à pista juntamente com o referido sold. PIEDADE. Surgiram então cerca de oito a dez indivíduos desarmados, munidos com gravadores portáteis, máquinas de filmar e máquinas fotográficas. Quando o Alf. MONTEIRO se encontrava a falar com o comandante desta pequena força, ele repetiu as palavras já ditas pelo megafone e pedia para falar com os soldados da companhia, na pista. Perante esta insistência, o comandante do aquartelamento de OMAR alvitrou que podia entrar e falar com a companhia dentro do estacionamento o que lhe foi contestado alegando medo de qualquer reacção das NT ou da força aérea. Perante isto e como não se notava qualquer presença de indivíduos armados foi aceite que parte da Companhia fosse para a pista. Ficaram nas posições as secções de obuses 8,8, morteiros e postos de sentinela. Quando se encontravam na pista houve uma força de cerca de 100 indivíduos, que pela porta de armas traseira que dava saída para a licheira, entraram de assalto tomando as nossas posições dentro do quartel. A reacção das secções de obus não era possível e como tal a força que entrou, obrigou o pessoal das restantes posições a abandonar e sair. No mesmo momento em que a força toma o quartel há uma outra força emboscada na orla da mata da pista que cerca todo o pessoal que nela se encontrava. A partir daí não foi possível qualquer reacção. Imediatamente o comandante de OMAR e outros graduados perguntaram ao comandante da força invasora, o que é que se passava ao que ele respondeu que iriam falar com o comandante Joaquim Chipende no meio da mata. Foram levados para uma base avançada da Frelimo onde se encontraram com os chefes Silésio e Alberto Joaquim Chipende. Aí pernoitaram dormindo à volta de uma fogueira. No dia 2 iniciaram a marcha até nova base da Frelimo onde ficaram dois dias. Aí os graduados tiveram a primeira reunião com uma comitiva da Frelimo chefiada por Joaquim Chipende. Foi-lhes lido todas as conversações de Lusaka às quais Chipende havia estado presente. Explicou este chefe que uma das razões porque tinham tomado _QMAR era pelo facto de não só ser uma base de importância vital mas também porque já haviam escrito uma carta ao comandante do Sector B/AV (MUEDA) - Tenente-Coronel Andrade Lopes, onde a Frelimo punha como condições a retirada de determinados quartéis e reunião dos mesmos em MUEDA. Não o quiseram fazer e a Frelimo sabia pelo barulho de rebentamentos e por um mainato civil que fugiu da nossa Companhia que OMAR estava a destruir os materiais. Esta reunião terminou cerca das 10,00 horas e aí os graduados iniciaram a marcha para se irem juntar aos restantes soldados que já se encontravam numa outra base da Frelimo. No dia 5 seguiram para o distrito de M'NAPA onde pernoitaram. No dia 6 seguiram com destino à base Limpopo onde foi distribuído arroz e sopa aos militares. Daqui avançaram em direcção ao rio Rovuma onde chegaram cerca das 16,00 horas. Às 00,30 horas os últimos homens encontravam-se já em território tanzaniano.
No dia sete foi distribuído fardamento da Frelimo a todos os militares portugueses tendo estes entregue a roupa que levavam vestida. À tarde iniciou-se o transporte de todo o pessoal em viaturas do exército Tanzaniano para NEWALA onde se pernoitou numa prisão em construção. No dia oito dá-se o primeiro encontro com o presidente da Frelimo, Samora Machel bem como restante comitiva. Aí, Machel falou a todos os militares tendo cumprimentado todos, um por um. Nessa tarde seguiram ao longo da Tanzania até NASHINGUWEA onde ficaram instalados num quartel do exército Tanzaniano. Aí ficaram até à libertação que se processou em 19 de Setembro de 1974.
Enquanto permaneceram como prisioneiros não houve qualquer mau trato a ninguém. Funcionava uma enfermaria dia e noite com um sargento enfermeiro da Tanzania pronto para qualquer serviço. Um médico da Frelimo ia frequentemente dar consultas a quem queria tendo feito, inclusivanente, o tratamento de uma anemia com transfusão de sangue a um soldado artilheiro português. Receberam diversas visitas entre elas a de Samora Machel mais três vezes, chefe do Estado Maior do exército Tanzaniano, ministro da Agricultura da Tanzania, diversos dirigentes do partido TANU, muitos jornalistas e fotógrafos.
Refere-se a seguir o resumo dos resultados obtidos pelo IN após a tomada do aquartelamento de OMAR.
- Foi levado o cofre da companhia com todos os valores que tinha.
- Foram levados todos os artigos de cantina existentes no armazém do Bar do Soldado e no bar propriamente dito.
- Foram levados todos os víveres que existiam no depósito de géneros, todos os medicamentos do posto de socorros, todos os combustíveis e lubrificantes que havia no parque auto, todos os documentos e arquivos da Companhia e todo o material à carga da Companhia e pertencente a todas as unidades controladoras.
- Todos os militares foram espoliados de todos os seus bens e haveres incluindo o fardamento militar.
O pessoal ficou, bastante afectado psiquicamente pela situação vivida, cansado e em más condições de saúde em virtude da vida que viveu com falta de água e má alimentação.
Em face do ocorrido ficou a 1ªCCAV sem todo o material à carga e pertencente a todas as entidades controladoras.
A acção teve cabimento em virtude de ter surgido numa altura em que se procurava o estabelecimento de contactos com elementos da Frelimo. Recebeu esta Companhia diversas mensagens dando directivas para o caso de surgirem elementos da Frelimo, para iniciarem contactos. O próprio RÁDIO CLUBE DE MOÇAMBIQUE, na noite de 31 de Julho de 1974 deu una notícia no " Jornal Sonoro " acerca de um cessar fogo na zona de MUEDA entre elementos da Frelimo e do Exército Português. Salienta-se a acção dos militares abaixo mencionados que lograram fugir ao controle do IN:
- sold. JOSÉ ANTÓNIO CABDOSO GONÇALVES apresentado em NANGADE em 02AG074.
- sold. JOAQUIM SILVA DA PIEDADE apresentado no mesmo dia também em NANGADE.
- sold. VASCO PONDA apresentado juntamente com os camaradas anteriormente citados no mesmo dia e na mesma localidade.
- Também em NANGADE se apresentaram os solds., LAQUINE PUANHERA e SUMAIL AIUPA, em 03AG074.
- Finamente em MOCIMBOA DO ROVUMA em 05AG074 apresentou-se o sold.MÁRIO ANDRADE MOITEIRO.
No dia 19 de Setembro foram os militares da 1ªÇCAV libertados e repatriados para NANGADE donde partiram no mesmo dia em aviões especiais para NAMPULA, com escala em MOCIMBOA DA PRAIA, onde ficaram instalados no Batalhão de Manutenção de Material. No dia 20 de Setembro pelas 06,00 horas partiram do BMM/NAMPULA para a ILHA DE MOÇAMBIQUE onde ficaram até ao seu regresso à Metrópole."