Como militar que é, o general Nino Vieira sabe que vencer uma batalha, às vezes, não chega para ganhar a guerra. Assim, é de esperar que, depois de ter assegurado o triunfo no renhido despique presidencial, o antigo homem-forte da Guiné-Bissau procure retomar o controlo do PAIGC, o partido governamental que outrora liderou e que hoje encabeça a contestação ao seu regresso ao poder.
Os seus adversários políticos, e principalmente o actual primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, estão determinados a impedir que o Presidente deposto recupere o protagonismo perdido há seis anos, como se pode avaliar pelo desfecho da visita de algumas horas, ontem, a Bissau, do chefe de Estado são-tomense, Fradique de Menezes. Tal como outros mediadores, Fradique, na qualidade de presidente em exercício da CPLP, fracassou na tentativa de levar Malam Bacai Sanhá, o infeliz adversário de Nino Vieira, a reconhecer a derrota.
Malam Bacai, sempre contando com o respaldo do presidente do PAIGC e actual chefe do Governo guineense, insiste em considerar-se «o único vencedor das eleições, e mais ninguém», e afirma-se disposto a manter esta posição, «mesmo com o risco da própria vida». Os seus apoiantes, em particular a ala feminina, também não desarmam, e protagonizaram no último fim-de-semana uma espectacular manifestação na região de Quínara, a região natal de Malam Bacai.
Dezenas de mulheres, seminuas, iniciaram uma marcha de protesto a partir da localidade de Empada, no Sul, e querem vir até à capital, reivindicar «os votos roubados» ao seu candidato.
Neste cenário, é com apreensão que os guineenses encaram a inevitável coabitação entre o Presidente eleito e o chefe do Executivo.
O primeiro teste ao entendimento entre Nino e Carlos Gomes Júnior deverá ocorrer com a questão da data do empossamento do novo chefe de Estado, que este quer ver realizado na primeira semana de Setembro, e sobre a qual o Governo não revela grande entusiasmo.
Aproveitando o facto de a Guiné-Bissau ter assegurado, por um ano, a vice-presidência da próxima sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, que começa em Setembro, Nino pretende deslocar-se a Nova Iorque, para retomar os contactos com a comunidade internacional já na plenitude das suas funções.
Outro dos orgãos dirigentes do PAIGC, que começam hoje. Nestes conclaves, o levantamento, ou não, da suspensão, de um ano, que pesa sobre uma vintena de figuras do partido conotadas com Nino Vieira, monopolizará, certamente, o essencial das discussões.
Já há houve contactos para a aproximação das partes, embora não seja de excluir a hipótese de se prolongar, até um eventual congresso extraordinário, o afastamento dos «ninistas» das actividades partidarias. Se isso acontecer, mais problemático se tornará o diálogo institucional.
Alguns analistas admitem que o braço-de-ferro eleitoral, alimentado pelo PAIGC, seja uma forma de pressionar o novo Presidente a assumir o compromisso, perante a comunidade internacional, de não «tocar» no Governo, em troca do reconhecimento da sua polémica vitória. Seja como for, uma coisa é certa. Hoje, tal como no passado, o destino da Guiné-Bissau continua, para o bem e para o mal, nas mãos do PAIGC.
Fernando Jorge Pereira, correspondente em Bissau - EXPRESSO AFRICA - 22.08.2005