A Guiné-Bissau e o seu povo mártir estão fartos de palhaçada política e não podem continuar a ver adiada sine die a solução do seu principal problema - a miséria humilhante, enquanto uns se entretém em preservar os seus mesquinhos interesses
FERNANDO KA
As recentes eleições presidenciais na Guiné-Bissau estão cheias de peripécias, as quais envergonham todos os guineenses que se prezem, porque os nossos políticos ainda não estão à altura dos pergaminhos do país. Aliás, durante a campanha eleitoral, o primeiro-ministro, na
sua tentativa desesperada de impedir a eleição do general Nino Vieira, não olhou a meios para atingir esse objectivo, recorrendo às mais aviltantes difamações contra aquele a quem serviu fielmente no
momento em que era o senhor todo-poderoso da Guiné, colaborando sem pestanejar naquilo de que de forma atabalhoada pretende ilibar-se. A coerência e a honestidade são características de que pouca gente se pode orgulhar.
Como se isso não bastasse, o senhor Carlos Gomes Júnior não hesitou em afirmar que nunca governaria com o Presidente eleito na alta magistratura da nação, mas depois de pressentir a derrota do seu candidato, veio dizer que continuaria a chefiar o Executivo, em nome do interesse nacional. Pois bem, só que o interesse nacional passa necessariamente pela sintonia entre o Presidente da República e o chefe do Governo na procura de soluções para os problemas do país atolado na miséria e desacreditado perante a comunidade internacional.
O primeiro-ministro é uma pessoa de contradições insanáveis. Após o acórdão do tribunal supremo, o que não lhe agradou, porque confirmou o senhor João Bernardo Vieira definitivamente como Presidente eleito, apareceu a declarar que não ia reconhecer o general como chefe de
Estado. Ora, estamos diante de um grande dilema, cuja saída só o primeiro-ministro poderá explicar. Como é que ele há reunir-se com o Presidente da República para a análise de certos dossiers, se não o reconhece como tal? Não há dúvida de que ele só tem um caminho a seguir: apresentar a sua demissão, por uma questão de coerência e de dignidade pessoal.
A Guiné-Bissau e o seu povo mártir estão fartos de palhaçada política e não podem continuar a ver adiada sine die a solução do seu principal problema – a miséria humilhante, enquanto uns se entretém em preservar os seus mesquinhos interesses. Não é aceitável que num país com enormes dificuldades, certas figuras políticas, em vez de colaborarem, mesmo sacrificando alguns interesses pessoais, na procura de consenso de estabilidade nacional, passem o tempo a instigar divisão e o ódio no seio da sociedade guineense: nós e os outros.
O senhor Malam Bacai Sanha, candidato vencido nas urnas, embora lhe assista a razão pessoal de reclamar junto das instâncias competentes para o efeito, o que já fez, mas sem resultado pretendido, deveria em nome de supremos interesses nacionais conformar-se com a situação de facto consumado. A luta só vale a pena se for no sentido de conseguir aquilo que desejamos e que seja justo; pelo contrário, está-se a chorar sobre leite derramado.
O senhor Malam Bacai Sanha não é um cidadão vulgar, porque já ocupou os mais altos cargos da nação, daí que a sua contribuição para a estabilidade de que o país tanto precisa é muito importante. Por isso, não pode nem deve andar a promover contestações de rua contra tudo e todos, o que não lhe fica bem cá fora e muito menos servirá o interesse nacional.
Ora, perder uma batalha não é a mesma coisa que perder uma guerra. A guerra que temos é a do desenvolvimento em que cada um de nós é uma peça fundamental nesta engrenagem. Estou certo de que o senhor Bacai Sanha é tão importante como presidente quanto cidadão activo e participativo para o bem do país, o qual se consubstancia na verdadeira paz, tendo como denominador comum a reconciliação entre os guineenses.
Um Presidente da República nunca é eleito por todos os cidadãos eleitores do país, no entanto não deixará de ser o presidente de todos sem excepção, independentemente de ser ou não reconhecido como tal por quem quer que seja. A nossa capacidade de servir o país não depende dos lugares que ocupamos na sociedade, mas sim da nossa determinação e boa vontade. Os erros ou os males do passado não devem impedir a nossa caminhada em busca de melhores soluções de vida para
todos. Mas enganam-se aqueles que julgam ter a razão do seu lado, podendo, portanto, continuar a instrumentalizar simpatizantes para a defesa dos seus inconfessáveis interesses.
A Guiné, aliás, não pode sujeitar-se à chantagem folclórica de quem pensa que só será capaz de prestar "bom serviço" ao país sentando-se na cadeira do poder. Esta é a mentalidade que o PAIGC incutiu no espírito da esmagadora maioria dos guineenses. Por isso, temos estado a assistir a esse espectáculo deprimente e revoltante no país onde o trabalho não é um meio de sobrevivência pessoal, mas sim a relação com o poder improdutivo e ineficaz.
Como é que é possível um primeiro-ministro do país que vive de caridade internacional expenda inutilmente o tempo, que deveria dedicar fazendo alguma coisa de importante para o seu povo, saindo à rua para agitar emoções populares? A que pretexto, ou será o desespero da causa perdida? Sim, acredito nesta última hipótese. Contudo, o país não pode ser refém dos inconfessáveis interesses do
senhor Carlos Gomes Júnior e o seu clientelismo no aparelho do Estado. Mas até quando durarão as manifestações orquestradas, que fazem lembrar os discursos de cassete com que o PAIGC intoxicava as mentes nos períodos logo após a independência? É a reedição do passado de má memória, embora com os slogans diferentes.
Portanto o senhor primeiro-ministro e o seu candidato vencido prestariam um grande serviço ao país mobilizando as pessoas para o trabalho dos campos abandonados, neste período chuvoso, em vez de entretê-las com comícios inúteis. O que o país mais precisa para vencer a guerra do subdesenvolvimento atroz é de produção séria e não de políticos que não consideram o poder uma missão ao serviço do país, mas apenas como promoção pessoal. A Guiné-Bissau necessita mais
de gente que faz do que fala, porque as pessoas devem ser avaliadas pelo trabalho feito em prol do país e não pelos discursos falaciosos.
DIRIGENTE DA ASSOCIAÇÃO GUINEENSE DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
PÚBLICO - 30.08.2005