Há um livro de Plekhanov, de 1898, chamado “A propósito do papel do indivíduo na história”, que, como tudo que cheira a marxismo, está completamente fora de moda. Pois bem: Plekhanov foi quem introduziu o marxismo na Rússia. Fundou o grupo Emancipação do Trabalho e, depois, junto com Lênin, o Partido Operário Social-Democratra da Rússia. Na cisão do partido, Lênin liderou a fração bolchevique e Plekhanov, a menchevique. Apesar da ruptura, Lênin sempre teve o adversário Plekhanov em alta conta, sobretudo em questões de filosofia.
No livro, Plekhanov discute o que está no título: se o indivíduo é livre para agir politicamente, ou se é a expressão de movimentos das classes sociais, cujas bases estão na formação econômica do período. É uma discussão complexa. Trotsky polemizou com as idéias de Plekhanov, analisando o lugar da direção revolucionária (o partido) para superar o capitalismo.
Discussão complexa e, repita-se, sem sentido nos dias de hoje. Como se sabe, as classes sociais deixaram de existir, os indivíduos são livres e não há por que mudar as estruturas econômicas e, com elas, a sociedade. Pelo bom motivo de que a sociedade é perfeita. O que há, como não cessam de repetir os ideólogos de plantão, são as celebridades e os excluídos.
Plekhanov é pretexto para a pergunta: qual o papel na história desses indivíduos, os políticos?
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A resposta mais simples é que eles não servem para nada, a não ser nos aporrinhar. A política é um meio de ganhar a vida. Os políticos seguem carreira: são eleitos, defendem isso e aquilo, estão no poder ou na oposição, fazem projetos, discursam – e ganham no fim do mês o seu salário, ou o seu mensalão, ou a sua propina, ou polpudas doações de empresários para as suas campanhas eleitorais.
Exagero? Pois pense na trinca de presidentes citada por Lula na semana passada. Getúlio foi um ditador que “fez” a legislação trabalhista de inspiração fascista. JK “fez” Brasília, uma monstruosidade que alegrou sobremaneira os empreiteiros. E Jânio não “fez” nada a não ser beber, viajar de cargueiro e dizer coisas incompreensíveis.
Claro que há grandes políticos brasileiros. Por exemplo o... Não me ocorre nenhum nome no momento.
Na crise do momento, há gente fazendo análises pertinentes ou dando testemunhos interessantes. Chico de Oliveira, Giannotti, César Benjamin, Chico Buarque, Wanderley Guilherme dos Santos. Nenhum deles é político profissional. Os políticos só dizem asneiras.
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O personagem central do fuzuê (junto com Lula) é o deputado José Dirceu. O que fez esse indivíduo na história? Como existe o Google, dá para arriscar uma resposta.
José Dirceu foi um jovem provinciano boa-pinta que chegou à cidade grande num tempo de efervescência. Namorou bastante, envolveu-se em política, tornou-se líder estudantil. Seu grande feito na época foi ter sido um dos responsáveis pela organização do Congresso da UNE em Ibiúna. A organização do congresso, um primor de amadorismo e aventureirismo, resultou na prisão de todos os presentes.
Dirceu foi preso e, pouco depois, libertado em troca da soltura do embaixador americano, seqüestrado dias antes. Ele se refugiou em Cuba, onde se tornou admirador da ditadura castrista. Lá, organizou um grupo terrorista, o Molipo, e providenciou a reentrada de seus militantes no Brasil. A maioria deles foi presa e assassinada pelos militares brasileiros.
Aí fez algo inesperado: abandonou a política. Fez uma cirurgia plástica para alterar a sua fisionomia, arrumou documentos falsos e voltou ao Brasil, ao Paraná, onde viveu com outro nome, Carlos Henrique. Foi um modesto comerciante de sapatos, casou, teve filho. Segundo ele conta, não disse nem à mulher a sua verdadeira identidade. Quando veio a anistia, contou finalmente quem era à mulher, deu-lhe adeus, voltou a Cuba, fez uma nova plástica, para recuperar a face anterior, e embarcou para o Brasil.
Em São Paulo, cursou Direito na PUC, entrou no PT e se tornou funcionário do partido. Aproximou-se de Lula e virou o seu operador político. Quando Lula decidiu fazer o que fosse necessário para chegar ao Planalto (adaptação do programa do PT à vontade da burguesia, marketing político, caixa 2), usou Dirceu como tacão para golpear a democracia do partido, perseguir os dissidentes, criar uma burocracia.
Ao chegar ao Planalto, José Dirceu fez o que se vê hoje.
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Li bastante o que Dirceu disse nesse anos todos. Não há uma idéia original. Uma discussão teórica. Um vislumbre, não digo de inteligência, mas de clareza. Ele não sabe escrever. Não tem um artigo que mereça ser citado. Seus discursos são burocráticos.
José Dirceu é uma criatura das sombras, da intriga partidária, dos conchavos. Recebeu o apelido de “comissário”, provável associação do seu autoritarismo à mística bolchevique (na interpretação dos seus áulicos e aliados) ou stalinista (na versão dos adversários). Ele não tem nada de bolchevique. Chamá-lo de stalinista é impreciso: como tantos outros, é tão-somente um politiqueiro oportunista.
Seu papel na história se resume a organizar um congresso estudantil fracassado, a fundar uma organização política fracassada (o Molipo) e a galgar postos num partido que foi uma novidade e uma esperança na política brasileira. Partido cuja direção, a começar por ele mesmo, se encarregou de ferir mortalmente.
Mario Sergio Conti
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