A liberdade de imprensa em Moçambique «melhorou bastante» nos últimos anos, mas continuam a registar-se graves violações na actividade jornalística no país, indica o primeiro relatório anual do Instituto de Comunicação Social da África Austral, Misa-Moçambique.
O documento divulgado terça-feira em Maputo alerta para casos de violações da liberdade de imprensa em 2004, envolvendo os principais partidos políticos de Moçambique, FRELIMO, no poder, e RENAMO, oposição, e a polícia moçambicana, principalmente em períodos eleitorais.
Segundo o relatório, há casos de dirigentes governamentais e partidários que resistem à mudança verificada com a passagem ao regime multipartidário e a polícia moçambicana é acusada de confiscar credenciais a repórteres e impedir o acesso de jornalistas a instituições do Estado.
Tal é caso de dois jornalistas da rádio comunitária no distrito de Mocuba, província da Zambézia, centro do país, que viram os seus documentos confiscados, depois de proibidos de entrar nas instalações de um estabelecimento hospitalar por ordem de um director distrital e saúde, destaca o documento.
Ainda em Mocuba, onde, segundo o Misa-Moçambique, «ocorrem maiores atropelos à liberdade de imprensa» no país, os jornalistas queixam-se de interferências dos membros do governo distrital e da polícia, pois, adianta, estes «obrigam os jornalistas a escreverem aquilo que agrada ao governo».
A província de Sofala, centro, também é apontada no relatório como uma região de Moçambique onde se registam «actos perturbadores» da actividade jornalística, especialmente em períodos eleitorais.
«Em vésperas eleitorais tanto em 2003 (autárquicas) como em 2004 (gerais), acontecimentos políticos caracterizados por uma certa turbulência provocaram mortes e agitaram a província», denuncia o Misa-Moçambique.
As violações à liberdade de imprensa em Moçambique em Sofala - frisa o relatório - tiveram também como alvo jornalistas de órgãos de informação estatais.
Segundo o relatório, dois repórteres da televisão estatal moçambicana «foram forçados a desgravar as imagens captadas na vila de Inhaminga (antiga base da RENAMO), onde Força de Intervenção Rápida tinha estacionado seus agentes e carros blindados face ao facto de elementos da guarda presidencial do líder da oposição terem invadido o comando da polícia para libertar três membros do partido RENAMO», em 2004.
O relatório aponta ainda a detenção de um jonalista do Faísca, Fábio Mondlane Júnior, durante uma noite, na província de Niassa, norte, por este ter reportado casos de inoperância da procuradoria, numa peça que tinha como fonte a presidente da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique, Alice Mabota.
«O mais agravante desta situação é que a detenção não estava acompanhada de um mandato de prisão como se exige, se bem que não foi um acto de flagrante delito», diz o relatório, que qualifica este e outros casos como «actos de intimidação contra jornalistas».
Na província de Cabo Delgado, norte, o documento chama atenção para outro «fenómeno» que influencia negativamente a comunicação social em Moçambique, no que diz respeito específico ao acesso às fontes: os adidos ou assessores de imprensa, que «na verdade passaram a desempenhar um papel de obstrutores».
Estes são responsabilizados «por virem cá fora falar em nome dos principais titulares das instituições e, assim, trazerem meias- verdades, ou por não dominarem a matéria objecto de informação», sublinha ainda o documento.
A RENAMO e o seu líder, Afonso Dhlakama, também são acusados de intimidar os jornalistas, ao espancarem repórteres quando estes pretendem cobrir actividades daquela força política da oposição em Moçambique.
«Podemos destacar espancamento, pela segurança do líder da RENAMO em pleno exercício da sua actividade do jornalista Abomba Rafael, da rádio e televisão comunitária de Namialo, distrito de Meconta, na província de Nampula», em 2004, refere o Misa-Moçambique.
O relatório conta que «os homens da segurança de Afonso Dhlakama pretendiam impedir que houvesse cobertura jornalística» por alegadamente considerar o repórter «instrumento da FRELIMO e, como tal, manipular a informação a favor do partido no poder».
«Além de ter sofrido agressões físicas, o jornalista viu o seu gravador e o bloco de notas confiscados pela força de segurança do líder da RENAMO», denuncia aquele organismo de defesa dos media em Moçambique.
No entanto, o porta-voz da FRELIMO, Edson Macuácua, defende no relatório que «nenhum jornalista deve ser molestado em missão desde que esteja a agir dentro dos preceitos legais».
« FRELIMO continuará a envidar esforço visando um maior acesso dos jornalistas às fontes de informação nos diversos sectores de actividade pública e privada», assegura Edson Macuacua num texto que consta do relatório, intitulado visão da FRELIMO sobre o estado da liberdade de imprensa em Moçambique.
Por outro lado, o porta-voz da RENAMO, Fernando Mazanga, acusa também, no mesmo relatório, os órgãos de informação estatais de estarem ao serviço do partido no poder.
«Os interesses dos governantes são repercutidos, ampliados e embelezados pelos meios de comunicação social públicos. Há um 'servilismo' horripilante destes meios, mormente de pico eleitoral. Isto não nos admira porque, mesmo com abolição do Ministério de Informação, o poder continua a exercer a sua influência nesses meios,nomeando as chefias quer administrativas quer técnicas», escreve o porta-voz da RENAMO.
EXPRESSO AFRICA - 10.08.2005